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Cultura e Ciência – para que servem? A quem servem?*

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O 5 de novembro, como data comemorativa, tem um nome oficial: “Dia da Cultura e da Ciência”. É só assim, desse jeitinho, com essa grafia e até as aspas, do jeito que está na Lei; não é “Dia Nacional da Cultura e da Ciência Brasileira” nem qualquer outra denominação que se espalha internet adentro e afora.

Essa é Lei sancionada pelo presidente Emílio Garrastazu Médici e o ministro Jarbas Passarinho. Diz a Lei: “Institui o "Dia da Cultura e da Ciência", e dá outras providências. // O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei: // Art. 1º Fica instituído o "Dia da Cultura e da Ciência", que será comemorado a cinco de novembro de cada ano, como homenagem a data natalícia de figuras exponenciais das letras e das ciências, no Brasil e no mundo. // Parágrafo único. As comemorações a que se refere o presente artigo terão como escopo o Conselheiro Rui Barbosa, nascido a 5 de novembro de 1849. // Art. 2º O Ministério da Educação e Cultura estabelecerá as normas para a divulgação da vida e da obra de Rui Barbosa, principalmente nos estabelecimentos de ensino do País. // Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. // Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário. // Brasília, 15 de maio de 1970; 149º da Independência e 82º da República.”

CULTURA

E o que é “Cultura”? Essa palavra tem diversos significados ou sentidos:

1) a cultura que é tratar, lavrar a terra e nela plantar – é a agricultura, onde “agri-” significa “campo”, pois é no campo, na zona rural (mas também em espaços urbanos) que mais se cultivam plantas, vegetais;

2) a cultura que é cuidar de animais, multiplicando-os, abatendo-os para comida, preparando-os para esportes ou competições de qualidade; é o caso da pecuária (que tem a ver com “gado”, isto é, conjunto de animais da mesma espécie, como boi, porcos, ovelhas, cabras etc.;

3) a cultura que tem a ver com o conjunto de, pelo menos, quatro “CCCC” de uma comunidade: conhecimentos, costumes, comportamentos, crenças;

4) a cultura que é o conjunto de talentos, conhecimentos de pessoas e comunidades;

5) a cultura que, como está no “Dicionário Houaiss”, é o “complexo de atividades, instituições, padrões sociais ligados à criação e difusão das belas-artes, ciências humanas e afins”. Existem outras definições e mesmo estas estão incompletas.

Mas, pelo que a Lei registra, pode-se concluir que “Cultura”, com “C” maiúsculo, é essa do item 5 acima. A Cultura como sensibilidade, elaboração, construção / composição, técnica, oferta, aquisição, disseminação de um serviço (cantar, declamar, discursar, palestrar, contar histórias, dançar etc.) e de um produto (um livro, disco musical, uma pintura, foto, escultura, peça de artesanato etc.).

Para mim, no sentido geral, cultura é toda intervenção do ser humano na Natureza. Se quebrou um galho e utiliza esse pedaço de pau para cutucar frutas, coçar as costas, espantar animais etc., está fazendo cultura, está praticando um ato cultural.

Entretanto, retornando ao sentido da Lei que instituiu o Dia da Cultura e da Ciência há 51 anos, a Cultura é não só CAUSA mas também COISA, um algo material ou abstrato que constrói identidade, inicia tradições, inicia, mantém e altera costumes, une e dá permanência a grupamentos humanos... e pode – e deve – ser transformada em objeto de valor e preço. Surge aí o que foi designado “Economia da Cultura” ou “Economia Criativa”. Este tipo de Economia, sem interferir no processo criativo do artista ou criador, “trabalha” a coisa criada – material ou não – e estabelece para seu criador contrapartidas materiais, financeiras, vendendo-as dentro ou fora da comunidade onde o objeto cultural foi criado.

Tão importante é a Cultura também para a Economia que a maior cidade do Brasil, São Paulo, município que é capital do Estado de mesmo nome, tem na Cultura a maior fonte de sua riqueza. Ou seja, dos mais de 748,7 BILHÕES (2020) da economia da cidade de São Paulo, a maior parte não vem de gigantescas refinarias de petróleo, de descomunais montadoras de veículos, de mastodônticas indústrias siderúrgicas: o maior volume de dinheiro que forma o Produto Interno Bruto paulistano tem origem na chamada cadeia ou teia da Cultura, da Economia Criativa. O autor que escreve um romance vai, a partir de seu talento, movimentar e alimentar uma série de pontos: a indústria de tintas, de papeis, de plásticos, de máquinas de impressão, os serviços de profissionais de revisão, de diagramação e desenho, de impressão e acabamento, de “softwares”, de embalagem, de transportes, de eventos, enfim, um mundo de pessoas e empreendimentos, com seus objetos e seus serviços especializados, tudo girando em torno de uma obra gerada na solidão de uma mente em um corpo...

E disso aí em cima se pode dizer também para a Música, a Pintura, a Fotografia, a Escultura, o Artesanato etc. etc. etc. etc. É um mundo sem fim a Cultura e a Economia criativa.

Só há um problema: o desapreço, o desapego, a descrença, a desgraça político-administrativa, que, máxime em municípios, se instala e cresce em cérebros de governantes e outros gestores, que (man)têm outros (des)caminhos para os grandes volumes de dinheiro que todos os dias 10, 20 e 30 entram nos cofres de todas as prefeituras de todos os 5.570 municípios brasileiros...

O problema do Brasil não é governo sem dinheiro – é dinheiro sem governo... (E. SANCHES)

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CIÊNCIA

 Embora divida o 5 de novembro com a Cultura, a Ciência tem outra data: o 8 de julho, quando é comemorado (ou, ao menos, lembrado) o "Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico".

A LEI – O Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico é a denominação de dois "Dias": o Dia Nacional da Ciência, instituído pela Lei federal nº 10.221, de 18 de abril de 2001, assinada apelo presidente Fernando Henrique Cardoso, e o Dia Nacional do Pesquisador, instituído pela Lei federal nº 11.807, de 13 de novembro de 2008, assinada pelo vice-presidente José Alencar Gomes da Silva, no exercício da Presidência. Na lei "alencarina", não há o adjetivo "Científico" após "Pesquisador".

O "Dia Nacional da Ciência" é uma referência à data de fundação, em 8 de julho de 1948, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), grande Entidade de que fui membro por anos e anos, décadas atrás.

A Ciência a que se refere a ancestral Lei 5.579 é aquele “corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, e formulados metódica e racionalmente” (Houaiss). Ciência é criar a cobra e mostrar como isso pode ser feito e repetido. (Quem mata a cobra e a mostra morta é a política, senhora absoluta das provações e privações culturais e científicas no Brasil).

Mais que explicar Ciência, melhor é exemplificar Ciência. Alguns casos:

1)    CHOCOLATE – Com 41 mil quilômetros quadrados (km2), a Suíça é menor do que o Rio de Janeiro ou o Espírito Santo, dois dos cinco menores Estados brasileiros. A Suíça não planta um pé de cacau... Mas onde são fabricados os assim declarados melhores chocolates do mundo? É na Suíça ou no Brasil, que está se aproximando de 300 mil toneladas de cacau por ano? É a Suíça que compra chocolate do Brasil ou é o Brasil que importa os caros chocolates da Suíça? Tudo isso tem a ver com Ciência...

2)    SOJA – Com 377 mil km2, o território do Japão é, em sua maior parte, de origem vulcânica e impróprio para cultivo e construção civil. O Japão é um conjunto de 6.852 ilhas. Todo dia tem terremotos e/ou maremotos e/ou vulcões ativos. Falando “grosso modo”, o Japão, com todas as pré-condições para dar errado enquanto país, é um dos mais desenvolvidos do mundo. Por exemplo, importa a soja brasileira e, com sua Ciência, a transforma em medicamento(s), como o fito-hormônio de soja, indicado até para tratamento de câncer de útero e de mama. E o Brasil, que, campeão mundial, produz 135 milhões de toneladas de soja das 342 que o mundo produz, vende seus grãos “in natura” e os recompra sob forma de caros medicamentos... Isso é (falta de ) Ciência...

3)    COCO – Em uma praia ou praça, na esquina de uma rua ou em carrinhos, compramos coco da praia, bebemos seu líquido, quando muito o partimos e comemos a “remela”, a polpa... e jogamos fora o restante, aliás, a maior parte. Pois bem: orientais utilizam a casca (endocarpo) para estofamento dos bancos de seus carros de luxo. Isto é Ciência.

4)    PEDRAS – Antigamente, dos peixes que se capturavam, cortava-se a cabeça, que era jogada fora. Hoje, já há quem praticamente se interesse mais pela cabeça que pelo restante do peixe. Na cabeça, há três pares de pedras, umas menores, outras maiores, como as da cabeça da corvina e do bacalhau. São os otólitos. Já se fala de uso científico dessas pedras e há discretos postos de compra pelo Brasil. Os orientais as querem. É bom começar a estocar pedras de cabeça de peixes.... A Ciência poderá ter bons usos com elas...

5)    CAFÉ – Achou que o 7 a 1 que a Seleção Brasileira de Futebol levou em 8 de julho de 2014 da Alemanha foi a maior surra que os germânicos deram e dão no Brasil? Pois anote aí: a Alemanha compra, todo ano, 18 milhões de toneladas de café do Brasil. Por meio de sua formidável logística, os alemães vendem 12 milhões por um preço várias vezes superior ao que comprou dos agricultores brasileiros. Com os outros seis milhões de toneladas, eles produzem cafés especiais, de preços altíssimos, para mercados sofisticados, que têm poder e não têm pudor de pagar até SETENTA VEZES MAIS CAROS do que os alemães nos compraram!... Isso é Ciência. Para se ter uma ideia, a indústria alemã Melitta, em um país que não planta um pé de café, tem mais de 160 itens fabricados por ela DEDICADOS SÓ PARA CAFÉ, como cafeteiras, filtros (inclusive de papel), máquinas e equipamentos, cafés solúveis etc. etc. etc. Tem fábricas em mais de CEM países, inclusive no Brasil, fornecedor da matéria-prima (“commodity”) em torno da qual giram as indústrias Melitta desde 1908, quando foi fundada. Isso é Ciência, inclusive a ciência de ganhar dinheiro com o produto dos outros...

Faltam CIÊNCIA e CONSCIÊNCIA no Brasil.

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Cultura e Ciência são necessidades de primeira grandeza. Países desenvolvidos são países de grande cultura artística e científica.

O Brasil está cheio de criadores e cultivadores, técnicos, tecnólogos e cientistas.

Sobra talento. Falta apoio.

Há dinheiro. Falta vergonha...

... Vergonha para não dilapidar os recursos que têm origem em cada um de nós.

Até quando abusarão de nossa paciência, seus Catilinas?

* EDMILSON SANCHES