Entre sons, letras, teclas, botões, ligações e conexões, o fio invisível do tempo interliga os caminhos tecnológicos das telecomunicações no Brasil. Foi pelo avanço dos meios e das plataformas que a garantia de cidadania em um país do tamanho de um continente se tornou mais visível, ainda que não possamos enxergar as ondas eletromagnéticas, como ocorrem as conexões digitais ou as “nuvens” que passaram a armazenar a recordação do tempo.
Diretamente da era digital, nem mesmo rádios ou jornais têm mais o mesmo jeitão de antes. Telégrafos, máquinas de escrever ou telefones com discos entraram para a história, que é aquele museu imenso que chamamos de memória. Agora, ficam próximas aos bicos de pena, os instrumentos para escrever cartas que demoravam meses para chegar ao destino. Nesta semana, em que há o dia das comunicações (5 de maio), pesquisadores entrevistados pela Agência Brasil explicam que os marcos temporais no Brasil tiveram características peculiares, que ajudaram a reduzir as distâncias e transformar a história do país.
Confira reportagem da Agência Brasil sobre os 145 anos do telefone
Leia também sobre os 30 anos do telefone celular no Brasil
Pesquisador da história da comunicação, o professor Pedro Aguiar, da Universidade Federal Fluminense (UFF), alerta que a evolução tecnológica pode ser significada mais pelo acréscimo do que pela substituição. “Não é porque um meio começa que o outro some. Assim, ocorreu com o rádio depois do surgimento da televisão”, exemplifica o pesquisador.
O professor Pedro Aguiar esclarece que, historicamente, as comunicações relacionavam-se aos caminhos que as informações percorriam geograficamente. “Até o telégrafo elétrico, comunicação era sinônimo de transporte. Para se comunicar a distância, era necessário que a pessoa levasse consigo 'a coisa' em si. No jornal ou uma tabuleta de pedra, o que fosse, seria necessário transportar. Até ter a separação entre meio e mensagem, isso era a comunicação”, afirma.
Para a professora Thaïs Mendonça Jorge, pesquisadora em história da comunicação na Universidade de Brasília (UnB), uma questão que precisa ser observada é que a notícia se acelerou com o avanço dos meios de transporte. Outra ruptura do que significa a comunicação ocorreu entre o fim do século XX e início dos anos 2000, da fronteira do analógico para o digital, do linear para o não linear.
No princípio...
Pesquisadores divergem da ideia de que a carta de Pero Vaz de Caminha (leia aqui) (escrita entre 26 de abril e 2 de maio de 1500, mas tornada pública somente em 1817) seria o marco inicial das comunicações no Brasil. “Não considero como marco inicial porque, antes, havia comunicação. Não podemos ignorar o potencial comunicativo no período pré-cabralino, ainda que os povos indígenas fossem ágrafos”. Ele explica que os moradores do país antes da chegada dos europeus e colonização encontraram suas próprias formas de interação.
O pesquisador aponta que as comunidades tinham os pajés, por exemplo, que eram comunicadores ativos entre as aldeias. Ele entende que a comunicação oral entre grupos continua fundamental em muitas comunidades ainda hoje, principalmente nas cidades menores. Além disso, os registros rupestres e de sinalizações foram marcas da comunicação antes da chegada dos portugueses.
Para a professora Thaïs de Mendonça Jorge, é necessário considerar que as cartas de Américo Vespúcio, no início do século XVI, sobre o Novo Mundo, ficaram conhecidas em 1504, o que seria a primeira publicação relacionada ao Brasil.
No período colonial, as cartas entre Brasil e Portugal, que viajavam nos navios, traziam e levavam as “novidades” que demoravam mais de três meses, como está registrada nas agitações dos acontecimentos pré e pós independência (confira reportagem da Agência Brasil sobre o tema).
Impressos
Uma grande novidade do início do século XIX foi a publicação de dois jornais em 1808: o Correio Braziliense (impresso em Londres em junho daquele ano) e a Gazeta do Rio de Janeiro (o primeiro publicado no Brasil, em 10 de setembro).
Thais de Mendonça Jorge explica que a Gazeta do Rio de Janeiro fazia as funções de um diário oficial, passava, obrigatoriamente, pela aprovação do governo, enquanto que o Correio era destinado ao “grande público”.
Mas como a maioria da população era analfabeta e os veículos, caros, difíceis de encontrar e em linguagem não-popular, tratou-se de um veículo para poucos. As revistas também surgiram nesse início de século XIX. “Mesmo quando se tornou industrializada, a imprensa nunca foi de massas como rádio e TV”, afirmou Pedro Aguiar.
Confira programa Caminhos da Reportagem sobre o impacto do rádio para a Amazônia
Novos parâmetros
O primeiro veículo a promover o tempo real foi o telégrafo, veículo que chegou ao Brasil em 1857. “Em pouco tempo, o telégrafo foi um veículo que se espalhou pelo mundo. O rádio começou como radiotelégrafo. Nosso pioneiro, Landel de Moura, também fazia experiência por sinais. A TV é uma filha entre o rádio e o teatro. A linguagem de TV no Brasil recebeu muito mais influências do teatro do que dos cinemas. E os gêneros do rádio influenciaram decisivamente”, afirma o professor. Ele explica que o rádio continua hoje, com a mesma função social, mas com ouvintes também pelo celular.
A professora Thaïs de Mendonça Jorge entende, por exemplo, que foi graças ao telégrafo, que houve uma organização para a prática do jornalismo. “As redações passaram a se estruturar”, afirma a pesquisadora.
Os telégrafos elétricos tiveram a primeira linha experimental em 1952, no Rio de Janeiro. “Era da casa do Imperador ao Comando do Exército. A invenção do aparelho foi em 1837 e chegou, 15 anos depois, ao Brasil. O país não demorou para testar suas novas tecnologias”. Não demorou também para que o telefone fosse trazido. O cientista Alexander Graham Bell apresentou para Dom Pedro II, em 1876, o aparelho. “Meu Deus, isto fala!”, teria exclamado o governante brasileiro. O imperador fez questão de testar o aparelho do Rio de Janeiro.
Outro aparelho que surpreendeu, no início do século XX, foi o rádio, que chegou com voz no Recife, em 1919, uma cidade que teve importante papel na comunicação brasileira. A primeira transmissão oficial de rádio é de 7 de setembro de 1922. Em relação à TV, o Brasil foi o terceiro país a ter transmissão contínua, depois apenas dos Estados Unidos e México.
Mas, voltando ao século XX, os pesquisadores entendem que o telégrafo teve expansão estratégica durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), com linhas do Rio de Janeiro até a fronteira Sul do país. “Quando acabou a guerra, as linhas subiram para o Norte. Em 1873, chegou a Belém”, explica Pedro Aguiar.
Em 1874, o litoral estava completamente conectado. Os caminhos de comunicação tiveram essa função de comunicação com o teatro de operações, mas também ao ativar demandas nacionais, como integração e comércio. “O governo implantou uma norma de regulação que, em toda concessão de ferrovia, obrigava-se que a empresa deveria implantar redes de telégrafo”, sublinha o pesquisador.
O tempo real ganhou novo significado com a integração das plataformas pela internet. Primeiro, ganhou corpo no campo dos serviços e, depois, chegou à mídia. Os pesquisadores entendem que o Brasil ainda vai viver um processo de digitalização de tudo o que é analógico, inclusive no campo dos serviços, por algumas décadas. “Como o custo de produção nesse cenário é mais baixo, de fato a tecnologia se popularizou”.
Mas um desafio, segundo avaliam pesquisadores, sempre foi superar as desigualdades regionais e sociais, inclusive expostas durante a pandemia de covid-19. “As tecnologias espalharam-se pelas metrópoles, para o litoral e só depois no interior”. Os pesquisadores entrevistados explicam que, às vezes, porém, até dentro das próprias cidades, há dificuldades de conexão entre bairros próximos. A internet, acompanhada de suas modernas possibilidades de expansão, viabiliza informação, estudo, trabalho e boas-novas desde o tempo em que só havia uma carta.
Leia mais:
(Fonte: Agência Brasil)