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Ela aniversaria hoje, 1º de abril*

TIA LUÍZA

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“– Meu sobrinho, eu não sei nada de política... mas eu sei de você. E tenho certeza de que sei qual é a resposta que você vai dar”.

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Ela se chama Luíza Gama Soares e aniversaria neste 1º de abril. É minha tia. Em razão de seu nascimento no primeiro dia deste mês, ela e eu costumamos brincar um com o outro: “Luíza abre, Edmilson fecha” – porque eu sou do último dia do mesmo mês.

Há tempos, devia a mim mesmo, mas sobretudo à minha tia, um texto com registro de parte de uma conversa que ela e eu mantivemos há anos, lá por 2016 ou 2018, um desses anos de eleições.

Nessa época, eu era dirigente partidário em Imperatriz e candidato com, pelo menos, sete a oito campanhas disputadas para vereador, prefeito, deputado estadual e federal. No total, foram nove campanhas em que fui candidato.

Tendo eu alguma prestação de serviços ao município imperatrizense, com postura e compostura ética em relação às coisas e causas da Política e da Administração Pública maiúsculas, com resultados eleitorais de mais de quatrocentos a até cerca de vinte e cinco mil votos, construiu-se na cidade e região uma percepção razoavelmente positiva em torno de meu nome, que se adensava em época de campanhas políticas.

Isso, de certa forma, e o fato de ser dirigente partidário (presidente), autorizava membros, sobretudo gestores e candidatos, de outros partidos a enviarem prepostos para tentar um “acordo”, uma convergência de esforços, essas coisas. Afinal, a Política – dizem – não é a arte do diálogo?

Pois certa feita um emissário de uma coligação partidária veio “dialogar” comigo. Veio com argumentos na fala... e algumas centenas de milhares de reais na mala.

O emissário era um conhecido meu, profissional liberal, professor universitário. Ele representava e negociava, naquele ano, os interesses político-partidário-eleitorais de uma coligação.

Após as cortesias iniciais de praxe, ele abriu o jogo, e a mala. Em resumo, disse que, se eu aceitasse isso e isso, a mala ficaria, eu contaria o dinheiro e, estando tudo certo, eu o informaria e ele ligaria para um determinado número (que ele me mostrou na tela de seu celular), após o que viria até a minha residência uma equipe de filmagem para gravar trinta segundos de imagens e áudio, em que eu diria que fulano e sicrano eram as melhores pessoas desde Jesus Cristo e declararia apoio à coligação e suas pretensões.

É claro, não disse sim nem não logo. Pedi ao emissário que esperasse, enquanto eu daria alguns telefonemas para ouvir a opinião de gentes de meu “grupo” político – na verdade, alguns amigos de referência e reverência, que (ainda) acreditam e apostam em nosso nome quando este é colocado entre os demais que, como eu, ousam entrar nesse moedor de carne e reputação humanas que são as campanhas, as eleições, a Política.

Enquanto o emissário estava, admirado, passeando os olhos pelas dezenas de milhares de livros de minha biblioteca, entrei no quarto, fechei a porta, liguei o ar-condicionado (para produzir um certo barulho...) e fui fazer contato com o “grupo”. Depois, liguei para minha tia Luíza – é aqui que ela entra na história...

Minha tia mora em um município do lado norte do Maranhão. Após pedir a bênção e procurar saber como ia ela de saúde (ela é setentã), contei-lhe o que estava ocorrendo naquele instante – a montanha de dinheiro por um apoio e tudo o que esse apoio representaria de envolvimento, cobranças etc.

Paciente e silenciosamente, minha tia me escutou. Quando terminei, ela, com aquela sabedoria que os mais velhos vão desenvolvendo ao longo das décadas de vida, só disse uma frase. Não falou nem se impressionou com o volume de dinheiro, com a retribuição (pouca, para alguns) que eu teria de dar para ter a “grana” e, depois, gastá-la. Minha tia não perguntou sobre o emissário... nada. Tia Luíza focou, centrou no essencial – que era o sobrinho dela. Sem titubear, sem arrodeio, segura, ela disse o que quase ninguém mais diria:

“– Meu sobrinho, eu não sei nada de política... mas eu sei de você. E tenho certeza de que sei qual é a resposta que você vai dar”.

Pronto. Só. Uma pancada. Como também se diz: Nem Salomão, em toda sua sabedoria, diria o que minha tia disse.

Naquelas palavras dela, estava o testemunho de quem, desde adolescente, com outra irmã (Isabel) e dois irmãos (Raimundo João e José Lourenço), conviveu com minha mãe, Dª Carlinda Orlanda Sanches, e comigo e meus outros quatro irmãos (Francisca Cláudia, Carlos Magno, Júlio César e Wendel). E não esquecer o Papai Velho (Papai Véi, como chamávamos), nosso avô materno Manoel, já falecido, que sabia tocar boiada e flauta e, além de histórias sobre nossos remotos antepassados e antecedentes, me falava de música e dos termos e notas musicais, acerca dos quais sou ignorante até hoje.

Tia Luíza disse, naquelas palavras curtas e sábias, da índole, da ética, da criação que todos (meus irmãos e meus tios) tivemos, sob a inspiração (honestidade) e a transpiração (trabalho) de minha mãe. Uma índole, uma ética, uma criação que, para alguns e para hoje (mas desde já há algum tempo), parecem coisas ultrapassadas, parecem “frescura”, lembranças de gente velha... Já imperam por aí as gerações que não conheceram ou não querem saber de hábitos e costumes como pedir a bênção, pedir licença ao passar entre duas pessoas que conversam, obedecer aos pais, respeitar os mais velhos, ter temor (ou. pelo menos, respeito) a Deus e aos valores espirituais.

Minha tia é da família, que é onde estão as poucas pessoas que sabem mesmo de mim, de minhas raízes, caule, tronco – quando alguns outros, que acham que me conhecem, da minha árvore de vida sabem, quando muito, apenas de ramos, folhas, flores, frutos...

As conversas com meus tios são repletas de lembranças e sorrisos.

Não temos problemas em rirmos de nós mesmos...

Memórias da infância, da adolescência e juventude...

As brincadeiras, as rodas de conversas, os jogos de mesa, as anedotas, as pescarias com simples anzóis de chumbada no Rio Itapecuru, quando este não era o atual curso d’água líquido, sujo e incerto de hoje...

Pescar também pelo método de “tapagem”, em que a entrada de água de um braço do rio era obstruída com uma barreira ou barragem feita de toras de madeira, galhos, folhas, barro etc. e, depois, esvaziada, após o que se retiravam com as mãos, da água rasa, diversos tipos de peixes – piaus (de coco, de vara), curimatás, pescadas, surubins, branquinhas, carás, mandis (inclusive o mandi dourado), traíras, lampreias, anojados, aniquins, mandubés, piabas, piranhas, caranbanjas, futricas (mandis e outros peixes ainda bem pequenos), tubis, sarapós, muçuns, cangaparas (espécie de pequenas tartarugas)... E também retirávamos, de locas em lajes, bodós, violas e outros cascudos (inclusive o sete léguas)...

Cozinheira de mão cheia e de pratos vazios (pois do que ela prepara nada sobra...), tia Luíza mantém a tradição familiar de excepcionais mulheres de mão boa e paladar bom na cozinha, que nem mãe Carlinda e tia Isabel e também minha irmã Cláudia. Aqueles peixes, então, cozidos, fritos ou, em certos casos, assados, eram de a gente comer que “dava bom dia a jumento”  (expressão da época – anos 1960/1970 – de múltiplo uso e sentido).

Um tempo atrás, tia Luíza esteve umas duas semanas comigo, na casa em que moro. Entre tantas lembranças que reavivamos, lembrei a ela a frase:

“– Meu sobrinho, eu não sei nada de política... mas eu sei de você. E tenho certeza de que sei qual é a resposta que você vai dar”.

Foi não.

A resposta que dei foi: “Não”.

Eu não aceitei a proposta.

Sei que há os que dizem ou diriam que não veem problema em aceitar uma oferta ou negociação política dessas, que faz parte do “jogo”, que não se perde uma reputação por isso etc. etc.

Bom, cada um decide como lhe convém, como pode e quer. O certo é que, minutos depois de nos despedirmos, o advogado e emissário político enviou-me mensagem pelo telefone, onde expressava sua admiração por mim, dizia que veio apresentar a proposta porque era sua missão dentro do partido, porém – afirmou ele – já sabia desde o início que, apesar da volumosa tentação monetária, eu não iria aceitar.

Como se vê, a gente também ganha quando não se perde...

Por suas palavras, obrigado, tia Luíza.

E, neste 1º de abril, dia de seu aniversário, que o bom Deus cuide de sua saúde, mantenha seu bom humor e amplie seu crescimento espiritual.

Felicidades.

A bênção.

Parabéns.

(... E guarde minha fatia do bolo...).

* EDMILSON SANCHES

FOTOS:

Tia Luíza e o filho, Diego. Bons de trabalho... e bons de prato...