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Lembrando papai… URBANO PINHEIRO*

Estava na vida. Vivia a sua velhice. Junto dele a esposa, a companheira de tantos anos. Às vezes, aparecia na João Lisboa para olhar o antigo Largo do Carmo, palco que foi dos memoráveis prélios democráticos de sua época. No seu íntimo, revia a sua mocidade, a sua participação ativa na luta partidária. Rememorava este passado que relembrava, para ele, a sua existência em luta, a sua existência na comunidade maranhense. Sim, estava, ali, sentindo estas recordações que sempre ficam trancadas no nosso mundo interior.

 Demorava-se pouco, mas, enquanto permanecia, conversava com amigos, os velhos e moços de seu tempo. E dele se ouvia sempre a sua palavra inteligente, o relato duma piada, o registro dum fato, duma ocorrência onde havia, sempre, a caricatura política de um homem público.

Depois, abandonava a praça e estava de regresso para casa, ali no “Caminho Grande”, que nome diferente. Onde residia marca a retirada de “Monte Castelo”. Mas Urbano Pinheiro esteve na vida política do Estado. Oposicionista. Conhecia as “raposas” da época, conhecia de sobra os adversários e não os poupava utilizando a crítica e o comentário rude. Estava nos comícios, uma unidade válida. Uma expressão valorosa. Nele, a grandiosidade da atitude firme. Da lealdade política, a disciplina, o pronunciamento marcante de suas deliberações. Era assim Urbano Pinheiro que conheci na minha juventude, no amadurecimento dos anos, na minha velhice.

Ainda o vejo na pugna dos movimentos populares e das campanhas e polêmicas jornalísticas. Com ele, tantos outros que lutavam pelos seus ideais, pelo fortalecimento do regime democrático, pelo restabelecimento da ordem pública contra os maus governantes que tivemos, os maus administradores. Estava na luta do povo, das reivindicações populares.

Depois, temo-lo no magistério maranhense. Professor, integrado no quadro docente da Escola Técnica Federal do Maranhão. Uma vida em constante luta. Amava São Luís. Amava o povo maranhense, seus conterrâneos, um admirador do Belo e da ARTE. Vivia aqui, sofria aqui, aqui suas glórias, aqui suas amargas decepções, aqui suas tristezas e suas alegrias. Aqui. São Bento, a sua terra natal, vivia na sua alma, uma recordação, este nunca esquecer o lugar onde se nasce.

Era assim Urbano Pinheiro, pai do meu amigo, o jornalista Walbert Pinheiro. E, por este, tinha uma grande admiração. Estava sempre preocupado com o jornalista brilhante, impulsivo que vive em Walbert, uma inteligência vibrante. Era assim Urbano Pinheiro.

Depois, a vida vai marcando as distâncias. A velhice entra na fase das dificuldades. Há sempre uma doença que surge, que fica na “marcação”, que fica no seu lento trabalho de destruição. Chega e não mais abandona a gente. Chega e fica, fica até nos empurrar para um caixão cuja tampa se fecha sobre nós. É o fim ou o começo para outra vida.

Urbano Pinheiro, no lar, enfrentava essa luta. Nele, a resignação. Nele, a resistência, a longa e terrível espera. Nele, a paisagem geográfica, política e social da terra maranhense e, diante dele, seus filhos, todos realizados. Junto dele, o seu poema de ternura, de companheirismo: a esposa. E olhando-a, vendo-a na contribuição de amor e sacrifício.

Urbano Pinheiro saiu da vida para caminhar para a morte. Seus olhos fecharam-se. Seu corpo ficou no abandono total das suas energias recuperadoras. Seu coração parou na noite iluminada de astros na ronda da Lua Cheia. Uma fisionomia calma, tranqüila. Urbano dormiu o seu último sono. O sono da eternidade. Agora, é sentir saudades. Agora, o registro das homenagens... estas que marcam, na vida, a presença daqueles que viveram um muito pelo bem do povo e pelo desenvolvimento político e social e econômico do Maranhão.

Sim, agora, este silêncio que é uma mensagem de lembrança, um hino de saudade. Daqui, mais uma vez. Sentimos a ausência de um homem que envelheceu aqui, dando um muito de si pelas lutas democráticas da terra que ele amava, do povo que ele queria pelo espírito e pelo coração.

* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 15 de agosto de 1968 (quinta-feira).