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Língua, História, Cultura, Economia*

CAXIAS – ÚNICA, ÍMPAR, SINGULAR, EXCLUSIVA, SIMPLESMENTE CAXIAS

– Se a forma correta é “tresidela”, por que o nome de um município é escrito “Trizidela”?

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PARTE 1

– O que estes dados econômicos têm a ver? Em volume de riqueza econômica (posição de 2021), Caxias do Sul, com R$ 31,6 bilhões, é o segundo maior município de seu Estado (Rio Grande do Sul) e o quadragésimo-primeiro (41º) maior do Brasil. Duque de Caxias é o quarto maior município do Rio de Janeiro, com R$ 53,1 bilhões em sua economia, e o vigésimo (20º) maior do Brasil. No Maranhão, Caxias, gigante na História e na Cultura, foi apequenada em sua Economia por uma série de fatores – o principal deles vontade e competência política: em 2021, sua Economia registra apenas R$ 2,1 bilhões – é o décimo município do Maranhão (era o oitavo em 2018) e o de número 571 no Brasil (era o de número 503 em 2018; caiu 68 posições). Nosso país tem 5.570 cidades.

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Há quatro anos, em 10 de janeiro de 2020, um caxiense por adoção, nascido em Parnaíba (PI), escreveu-me:

“Edmilson, você que já deve ter lido muito, adquirido muito conhecimento, tira uma dúvida de um curioso-teimoso, que não concorda com o Mílson Coutinho [desembargador e historiador maranhense, nascido em Coelho Neto], quando ele fala que a origem da palavra ‘Trizidela’ [sic] é de 03 aldeias, que ficavam do outro lado do rio aqui em Caxias. Aí eu pergunto: Será que em Pedreiras, Codó, Coroatá, na Maioba, tinham 03 aldeias também? Aí já vi também que falam: ‘O que fica do outro lado do rio’. Mas como pode ser, se Caxias começou pela Trizidela? Aí outros falam: ‘A parte menos importante da cidade, a terça parte’; e eu pergunto: Índio sabia fazer cálculo matemático? Só não vejo uma Trizidela ficar do lado direito do rio, só do esquerdo. Há poucos dias eu estava em Pedreiras e discutíamos sobre isso. O que você sabe sobre?”

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O fato de Codó, Coroatá, Pedreiras e até municípios brasileiros fora do Maranhão terem bairros, distritos, povoados ou outros lugares com o nome “Tresidela” apenas confirma a influência de Caxias na região, no Estado, no país.

A fundação oficial de Codó é de 1896, embora com registros de povoamento a partir de 1780.

A fundação de Coroatá é de 1920, mas desde 1843 que fora desmembrada do território de Caxias.

Pedreiras também foi fundada em 1920, mas há registros como vila desde 1889.

Portanto, o ano mais antigo entre os seis acima é o de 1780, início da chegada a Codó de portugueses, fazendeiros maranhenses, africanos escravizados, índios e imigrantes da Síria e do Líbano.

Por sua vez, a palavra “tresidela”, como atesta o “Dicionário Houaiss”, tem primeiro registro documentado a partir de 1757 – pelo menos 23 anos antes de 1780 e dezenas (senão centenas) de anos antes de uma localidade codoense, coroataense e pedreirense ser batizada com o nome “Tresidela”.

“Tresidela”, afirmo (até provas em contrário), é nome, é palavra genuinamente caxiense, pois Caxias tem história cujo início vem da segunda década do século XVII, ano de 1612.

Como havia três aldeias na área da hoje Tresidela, o caxiense Gonçalves Dias, grande estudioso de etnografia, tupinólogo, pesquisador, autor de dicionário de língua indígena, foi o primeiro a afirmar e registrar que a palavra “tresidela” é corruptela da expressão “três aldeias”. Grandes dicionários, como o brasileiro “Houaiss” (o maior da Língua Portuguesa), também creditam essa etimologia à palavra “tresidela”, cujo significado é sempre relacionado a uma posição geográfica, um aspecto topográfico, ou seja, uma localidade, povoação, bairro, situado em um dos lados de um rio e próximos a um lugar maior, geralmente uma cidade, a sede de um município. O “Houaiss” define o substantivo comum “tresidela” como “localidade ribeirinha vizinha à cidade mais importante, na margem oposta do rio”.

Desconheço qualquer registro que ligue a palavra “tresidela” à expressão fracionária “terça parte”, ainda que, epidermicamente, uma ou outra pessoa queira relacionar a uma fração as letras iniciais (“tres-“) ou a sílaba equivocadamente grafada “tri-“. Nesse campo da imaginação e da superficialidade nem é bom entrar...

Também, a palavra “tresidela”, como denominadora de bairro ou povoação (e, no Maranhão, nome até de município – Tresidela do Vale), nada tem a ver com a localização de uma ou da outra margem de um rio, se direita ou esquerda. Como está nas definições, “tresidela”, além de um localismo (vocábulo próprio de um lugar), é palavra de indicação geográfica, geoterritorial.

Nascido em Caxias, o termo "tresidela", até pela baita influência econômica e sociocultural – mas sobretudo econômica – da cidade, migrou para outros municípios e territórios, onde também deu nome, por identidade geográfica, à região na outra margem de um rio e contígua, fronteiriça ao local sede do município, assemelhado ao que era/é na terra caxiense onde teve origem a palavra.

Assim, e finalmente, até provas em contrário:

a) “tresidela” (substantivo comum) ou "Tresidela" (nome próprio – topônimo e politônimo) é palavra com, pelo menos, 267 anos de existência documentada, pois há registro de uso dela desde 1757;

b) a etimologia da palavra “tresidela”, segundo registrou Gonçalves Dias, vem da aglutinação e corruptela da expressão “três aldeias”, que identificava uma região de aldeias próxima ao rio Itapecuru, no início de Caxias – “início" conforme a história contada e escrita por nós, os “brancos”, embora saibamos que naquele território bem há mais tempo viviam populações autóctones, indígenas. Ressalve-se que há quem discorde do processo de formação da palavra "tresidela" como oriunda de "três aldeias", mas também não se propôs nenhuma alternativa etimológica;

c) para quem respeita a própria Língua que utiliza, a grafia da palavra deve ser, sempre, "tresidela" ou “Tresidela”, onde remanescem as letras do predecessor numeral “três”, da primitiva expressão com função toponímica “três aldeias”. A ideia da expressão "três aldeias" esteve em parte presente  – sem o numeral – nos diversos topônimos e politônimos que nomearam Caxias ao longo de sua história: São José das Aldeias Altas, Freguesia das Aldeias Altas, Arraial das Aldeias Altas, Distrito de Caxias das Aldeias Altas (criado antes de 1735), Vila de Caxias das Aldeias Altas (criada por alvará de 31 de outubro de 1811) e, por força da Lei Provincial nº 24, de 5 de julho de 1836, apenas Caxias, cujo topônimo, pela importância histórica, cultural, social e econômica do município, foi escolhido para dar nome a títulos de nobreza (como o de Duque de Caxias) e a grandes cidades das regiões Sul e Sudeste: Caxias do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul, e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

A propósito, historie-se que a hoje gaúcha Caxias do Sul, que tanto quis ser só “Caxias”, chamava-se, inicialmente, “Campo dos Bugres”, nome que perdurou até 1877. A partir de 11 de abril de 1877, em homenagem ao militar Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, passou a chamar-se “Colônia de Caxias”, assim permanecendo até 1884. Neste ano, foi denominada “Santa Teresa de Caxias”, topônimo que ficou até 20 de junho de 1890, quando, na condição de vila, passou a chamar-se “Caxias”, nome que manteve em sua elevação à categoria de cidade pela Lei Estadual nº 1.607, de 1º de junho de 1910. Trinta e quatro anos depois, com o Decreto-Lei Estadual nº 720, de 29 de dezembro de 1944, a cidade foi redenominada, passando oficialmente a chamar-se  “Caxias do Sul”, não sem antes ter feito persistentes e infrutíferas tentativas para obrigar nossa Caxias, do Maranhão, a mudar de nome, pois, na época, lei federal proibia um mesmo nome para duas cidades. As tentativas, como se sabe, não tiveram êxito – o que, como também se sabe, seria um desrespeito a tantas lutas e conquistas históricas, culturais, políticas, econômicas etc. da cidade maranhense e seus filhos.

Por outro lado, fundada em 1943, a fluminense cidade de Duque de Caxias era um local de estação ferroviária conhecido até 1931 como “Meriti”, que integrava o 8º distrito do município de Nova Iguaçu. O governo do Rio de Janeiro, pelo Decreto nº 2.559, de 14 de março de 1931, criou, na antiga região de Meriti, o distrito a que se denominou “Caxias”. Doze anos depois, em 31 de dezembro de 1943, o Decreto-Lei nº 1.055 elevava o distrito de Caxias à categoria de município, com o nome de “Duque de Caxias”.

Relembre-se que à época havia norma legal no país que proibia que dois municípios tivessem o mesmo nome. Daí que tanto Caxias do Sul (RS) quanto Duque de Caxias (RJ), que originariamente chegaram a se chamar apenas “Caxias”, tiveram, eles, de mudar de denominação...

... pois, no Brasil, assim como a caxiensidade da denominação “Tresidela”, a única, ímpar, singular, exclusiva, só e simplesmente Caxias é a nossa cidade-mãe, cujo início de formação histórica remonta a mais de quatro séculos...

Como se dizia n’outros tempos: antiguidade é posto... (EDMILSON SANCHES - [email protected])

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PARTE 2

SE A FORMA CORRETA É “TRESIDELA”, POR QUE O NOME DE UM MUNICÍPIO É ESCRITO “TRIZIDELA”?

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Leitor me escreveu em 10 de janeiro de 2021 acerca de um texto meu, em que se aborda a origem da palavra “tresidela” (localidade ao lado de um rio). O artigo foi republicado em redes sociais e mal o texto se acomodava entre os “bits” e “bytes” digitais e já o leitor comentava, publicamente:

“Sanches, gostei do artigo. Parabéns!

Mas o IBGE e o próprio ‘site’ da prefeitura de Trizidela do Vale registram o nome da cidade maranhense com ‘iz’.

Até copiei... Veja:

‘História // Trizidela do Vale Maranhão (MA)

Histórico – Fica criado, pela Lei nº 6.164, de 10 de novembro de 1994, o município de Trizidela do Vale, com sede no Povoado Trizidela, a ser desmembrado do município de Pedreiras, subordinado à Comarca de Pedreiras.

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Em resposta, escrevi:

O IBGE não é autoridade linguística. Ele registra o que vem dos Órgãos oficiais  prefeituras, câmaras municipais e outros governos e parlamentos, estaduais ou federais.

Por questões de tradição, de costume, de História, vão-se conservando e admitindo grafias que fogem à Lei (a Língua é lei, norma). Como exemplo, sabe-se que, em termos de Língua Portuguesa, escrever “Bahia” é antigramatical – tanto que o adjetivo pátrio (naturalidade) não é “baiano”, com “h”, é “baiano”, sem o “h”, que é a forma normativa correta.

Nessa linha, entre os 5.570 municípios brasileiros, há diversos casos equivocados de topônimos e politônimos (nomes de lugares, de cidades, a exemplo da duas vezes equivocada grafia “Trizidela”) e seus adjetivos gentílicos (nome de quem nasce ou habita esses locais, a exemplo de “trizidelense”, grafia igualmente equivocada, corolário da anterior).

Quem é autoridade legal/oficial em termos de Língua, no Brasil, é a Academia Brasileira de Letras, que, há muito tempo, consigna uma única grafia: “tresidela”. E o lugar formal onde estão as palavras e forma correta de escrevê-las é o “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”. Está lá na página 735. E o meu exemplar é de 1981, TREZE ANOS ANTES da fundação de Tresidela do Vale, em 1994. E dizendo novamente que a palavra “tresidela” tem registro escrito, no mínimo, a partir do ano 1757.

Em que lugar se soca a regra geral (não impositiva nem exclusiva) que diz que entre duas vogais escreve-se “s”?

Em que lugar se mete a observação e observância à práxis linguística, filológica, de respeito à origem, descendência, etimologia da palavra? Pelo menos neste caso – ou também neste caso –, a palavra “tresidela” assim é escrita porque vem de "três" (pois três eram as ancestrais aldeias do outro lado do Rio Itapecuru, em Caxias).

Estaríamos muito bem, nós brasileiros, se em nosso país a única lei, o único desrespeito histórico e cultural, linguístico e legal que vereadores e prefeitos descumprissem fossem à Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) e o tratado internacional de 1990 conhecido como novo Acordo Ortográfico.

Se quiser sair de, pelo menos, uma de suas pobrezas oficiais (a linguística, de que o município não é exclusivo detentor), Trizidela do Vale poderia, por meio de sua Câmara e Prefeitura, aprovar e sancionar uma lei com um pequeno artigo, onde se diria, mais ou menos:

“Fica adotada a grafia Tresidela do Vale e tresidelense para nome do município e seu adjetivo gentílico, na forma das normas gramaticais brasileiras e do Acordo Ortográfico internacional de 1990, vigentes”.

Na justificativa, no projeto de lei, seriam elencadas razões/informações que dariam mais lastro histórico, cultural e linguístico para a nova lei ou decreto-lei.

Agora, quem dentre os leitores deste texto acha que existe REALMENTE algum mandatário ou parlamentar preocupado com a Língua Portuguesa? Nossa Língua, tão maltratada desde seu nascimento a ponto de Olavo Bilac, em verso inicial de famoso soneto, a ela referir-se como a "Última Flor do Lácio, inculta e bela".

Ora, ora... Prefeitos e vereadores, deputados e governadores, presidente e senadores preocupados com a Ortografia...

O “negócio” da grandíssima maioria dos políticos não são propriamente LETRAS, mas NÚMEROS  --  muitos número$$$$$...

Bandidos...

* EDMILSON SANCHES

Fotos:

1) Imagem aérea do Google, com o Bairro Tresidela à esquerda, o Rio Itapecuru e parte da região central de Caxias. 2) “print screen” da página da palavra “tresidela” no “Dicionário Houaiss”, o maior de toda a Língua Portuguesa, edição eletrônica. 3) Aspecto da cidade de Tresidela do Vale. 4) Antônio Gonçalves Dias. 5) Edmilson Sanches.