Para minha amiga Lygia Franklin da Costa Seixas, filha de Franklin de Oliveira.
Este livro de José Ribamar de Oliveira Franklin da Costa, ou simplesmente Franklin de Oliveira [São Luís, 12 de março de 1916 — Rio de Janeiro, 6 de junho de 2000] de há muito o tenho. Foi uma lembrança do meu velho e querido amigo, escritor e jornalista Milton Coura, que mo deu numa certa tarde, em seu gabinete de trabalho no Ministério da Educação, em Brasília, já que alguns exemplares desta obra, patrocinada pela Biblioteca Nacional, em coedição com a Universidade de Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo, encontravam-se ali destinados à doação.
“A dança das letras”, na verdade, passou a ser meu livro de cabeceira pela importância filosófica e literária que ele encerra, um fascinante laboratório de arte exposto às consultas, já que, em suas páginas, convivemos com Thomas Mann, Hermann Hesse, Hermann Brock, Proust, Gorki, Van Gogh, Eça, Graça Aranha, Guimarães Rosa, Byron, Rilke, Drummond, Gullar... É preciso mais? Ora, além desse mais, ainda tem “O universo verbal de Os Sertões” e, para tirar o fôlego, “A morte da memória nacional”, um dos melhores e mais completos ensaios que conheço sobre a vida, a arte e o sofrimento de António Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”, a quem Franklin o chama, carinhosamente, de “O terceiro Profeta”.
À guisa de ilustração informativa, o escritor e jurista Rossini Corrêa, na contracapa de “Clarindo Santiago – o poeta maranhense desaparecido no Rio Tocantins” – livro do jornalista Sálvio Dino, é textual em dizer que “Clarindo Santiago, poeta, jornalista e ensaísta, muito influenciou a juventude maranhense: foi quem aconselhou Franklin de Oliveira a ler tudo, até mesmo anúncio de jornal”.
Talvez por essa e por outras, o autor de “A dança das letras” tem um domínio incrível sobre os clássicos ocidentais, tanto os de origem grega como os latinos, com um foco muito forte dirigido para a literatura alemã, como para as do Leste Europeu, sobretudo a húngara e a checa, a alargar essa cosmovisão às estepes invernais, para encontrar-se com a magia delirante da Rússia, sobretudo com as sombras vagueantes e dostoieveskianas da velha e romântica São Petersburgo.
Creio que esse intimismo de Franklin de Oliveira com a literatura universal, não foi somente adquirida nas redações de jornais e revistas, oficinas onde o ilustre maranhense aprendeu desde os treze anos a trabalhar e a exercitar o pensamento, mas, com certeza, por conhecer a linguagem musical, vez que era um exímio violinista, por hereditariedade de uma família de músicos, o que deve tê-lo impelido, com força e clareza, a incursionar não só na essência da palavra, mas no ritmo de todo o contexto que tinha sob sua análise, a dissecá-lo com a maestria de uma incrível precisão cirúrgica.
Nauro Machado, grande poeta brasileiro, meu querido amigo e conterrâneo de São Luís, como Franklin o era, a participar de um evento de intelectuais no Rio de Janeiro, onde estavam, dentre outros, Ferreira Gullar, Ivan Junqueira e José Guilherme Merquior, ouvira deste a confissão de que “Octávio Paz e Franklin de Oliveira eram, sem dúvida nenhuma, os dois maiores críticos mundiais de arte”. Sabemos nós que José Guilherme Merquior tinha cabedal para dizer isso.
O autor desta “Dança das letras”, trabalhou em quase todos os jornais do Rio de Janeiro, a deixar, por onde passou, sua marca de gênio na análise crítica, nos editoriais políticos e nos comentários literários... Esteve na revista “O Cruzeiro”, onde ocupou, por longo tempo, a página de crítica “Sete dias” com raro brilhantismo, tendo sido demitido porque foi ferrenhamente contrário à candidatura de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello a uma cadeira no Senado Federal pelo Maranhão, depois de ser preparado para renunciar seu titular, por simples capricho do velho coronel e senador Vitorino Freire, que assim queria agradar ao velho cacique paraibano, dono da maior rede de comunicações, ao tempo, da América Latina. Assis Chateaubriand ou “Chatô” era um jornalista, empresário, mecenas e político a destacar-se como um dos homens públicos mais influentes do Brasil nas décadas de 1940 a 1960, proprietário dos “Diários Associados”, de cujo grupo empresarial, a revista “O Cruzeiro” pertencia. E assim foi. A pirraça do caudilho maranhense prevaleceu e Franklin perdeu o emprego...
Sua bibliografia é esta: “Ad Imortalitatem” (1935); “Sete dias” (1948); “A fantasia ata” (1959); “Rio Grande do Sul, um novo Nordeste” (1962); “Revolução e contrarrevolução no Brasil” (1963); “Viola d’amore” (1965); “Morte da memória nacional” (1967); “A tragédia da renovação brasileira” (1971); “Literatura e civilização” (1978); “Euclides: a espada e a letra” (1983); “A dança das letras” (antologia crítica, 1991); “A Semana da Arte Moderna na contramão da história e outros ensaios” (1993).
Para Franklin de Oliveira, a crítica é a estética da literatura cuja visão destrói o mito do leitor comum, “pois quem se debruça sobre um livro também o está escrevendo, embora sob perspectiva diferente da que assumiu o autor”.
Defendia Franklin que, “se o crítico não for um escritor, isto é, se não possuir o domínio da arte da linguagem, não terá condições de penetrar o tecido mais íntimo da literatura, que é a suprema criação do dizer humano”.
Por fim, “A dança das letras” não é apenas uma antologia de ensaios, é, antes de tudo, a própria súmula do pensamento crítico e estético de Franklin de Oliveira.
* Fernando Braga, in “Conversas Vadias”, antologia de textos do autor.
Ilustrações:
Foto de Franklin de Oliveira, quando saiu de São Luís para o Rio de Janeiro, a bordo do navio “Comandante Riper”, em 31 de março de 1938, para se tornar um dos maiores jornalistas e críticos de arte brasileiros e capa do livro comentado.