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LITERATURA MARANHENSE: O poeta transmontano Miguel Torga*

Miguel Torga foi um escritor português, um dos mais importantes poetas do século XX, em língua portuguesa. Destacou-se também como contista, ensaísta, romancista e dramaturgo, deixando mais de cinquenta obras publicadas.

Miguel Torga era o pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha, nascido em São Martinho de Anta, Vila Real, capital de Trás-os-Montes, em Portugal, em 12 de agosto de 1907 e falecido em Coimbra, Portugal, em 17 de janeiro de 1995. Ainda criança, foi para a cidade do Porto trabalhar em funções compatíveis com sua pouca idade; em 1918, foi mandado para o seminário de Lamego, onde não se demorou muito, decidido, terminantemente, a não ser padre. E o porquê do pseudônimo? “Foi em 1934, aos vinte e sete anos, que Adolfo Correia Rocha criou o pseudônimo: ‘Miguel’ em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica: Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno, e ‘Torga’ referente a uma planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um caule incrivelmente retilíneo”, contam seus biógrafos.

Em 1920, o poeta viajou para o Brasil para trabalhar numa fazenda de café, de um tio, em Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, aonde foi matriculado no Ginásio daquela cidade [ginásio era o antigo curso de humanidades, que, no Brasil, equivalia ao Liceu, em Portugal]. Miguel Torga, pouco tempo depois, regressou a Portugal acompanhado desse seu Cireneu e tio que, a perceber a inteligência e a boa vontade do sobrinho, se prontificou a custear seus estudos em Coimbra, durante aquele período que lhe restava de Liceu. Em 1928, o poeta prestou exames para a Faculdade de Medicina e iniciou sua vida literária, publicando seus primeiros livros de poemas, “Ansiedade” (1928), “Rampa” (1930), “Tributo” (1931) e “Abismo” (1932) para, no ano seguinte, concluir seu curso de medicina.

De volta a São Martinho de Anta, em Vila Real, o jovem médico Adolfo Correia da Rocha inicia o exercício da profissão e, em 1934, publica “A Terceira Voz”, quando passa a usar o pseudônimo de Miguel Torga que o imortalizou. Deixou, em sua bibliografia, uma extensa obra, em poesia, prosa, romance e teatro. Era um cidadão de índole reservada, com horror a movimentos políticos e literários, a expressar, sempre, uma revolta diante de injustiças e abusos de poder, reflexos que se bem notam em suas produções literárias. Ouçamo-lo nestes dois belos poemas:

“Mãe”

 “Que desgraça na vida aconteceu, / que ficaste insensível e gelada? / Que todo o eu perfil se endureceu / numa linha severa e desenhada? / Como as estátuas, que são gente nossa / cansada de palavras e ternura, / assim tu me pareces no teu leito. / Presença cinzelada em pedra dura, / que não tem coração dentro do peito. /

Chamo aos gritos por ti – não me respondes. / Beijo-te as mãos e o rosto – sinto frio. / Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes / Por detrás do terror deste vazio. / Mãe: / Abre os olhos ao menos, diz que sim! / Diz que me vês ainda, que me queres. / Que és a eterna mulher entre as mulheres. / Que nem a morte te afastou de mim! / Quase um poema de amor / Há muito tempo já que não escrevo / um poema de amor. / E é o que eu sei fazer com mais delicadeza! / A nossa natureza /

Lusitana / tem essa humana graça / feiticeira / de tornar de cristal / a mais sentimental / e baça / bebedeira. / Mas, ou seja, que vou envelhecendo / e ninguém me deseje apaixonado, / ou que a antiga paixão / me mantenha calado / o coração / num íntimo pudor, / – Há muito tempo já que não escrevo / um poema de amor”.

Por fim, ouçamo-lo em “Liberdade”, in “Diário XII”.

“Liberdade”

“– Liberdade, que estais no céu... / Rezava o padre-nosso que sabia, / A pedir-te, humildemente, /O pio de cada dia. / Mas a tua bondade omnipotente / Nem me ouvia. / – Liberdade, que estais na terra... / E a minha voz crescia / De emoção. / Mas um silêncio triste sepultava / A fé que ressumava / Da oração. / Até que um dia, corajosamente, / Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado, / Saborear, enfim, / O pão da minha fome. / – Liberdade, que estais em mim, / Santificado seja o vosso nome”.

A dá-se por merecer a homenagem que noticiamos abaixo, o poeta Miguel Torga tinha um carinho especial com o vinho e com toda a magia que a divina bebida envolve:

“Esperança”

 “Tantas formas revestes, e nenhuma / Me satisfaz! / Vens às vezes no amor, e quase te acredito. / Mas todo o amor é um grito / Desesperado / Que apenas ouve o eco… / Peco / Por absurdo humano: / Quero não sei que cálice profano / Cheio de um vinho herético e sagrado”.

Notas

Necessário se faz dizer que, à parte desses apontamentos, que esta homenagem, “sui generis” e de muito bom gosto, aposta abaixo, referente à ilustração deste texto, foi prestada ao poeta pela “Adega Cooperativa de Sabrosa”, homenagem esta que nos associamos, vez que, além de terna, por estampar um grande carinho pelo poeta, revela a todos a magnifica qualidade do bom vinho ali produzido. Eis o texto da homenagem, “ipsis literis”, conforme o que imprime o “Jornal de Vila Real”:

Ilustração:

“O poeta e escritor Miguel Torga afirmava que o Douro era um “Reino Maravilhoso”. Em reconhecimento ao seu trabalho e o amor que devotava ao Douro, a “Adega Cooperativa de Sabrosa” fez uma homenagem a este ilustre filho da terra. E nada melhor do que o fazer com vinho. A homenagem foi concretizada por uma edição especial e limitada de um conjunto de quatro garrafas do tinto “Reserva Douro 2012, Fernão de Magalhães”. Os rótulos são diferentes, contudo, ostentando pinturas dedicadas ao poeta e à sua obra. Esta edição especial foi limitada de 200 caixas de quatro garrafas [sic].

* Fernando Braga, in “Conversas Vadias” [Toda prosa], antologia de textos do autor.