Observar o comportamento das pessoas pode ser um caminho para aprender tanto sobre o ser humano como também sobre os animais. Essa estratégia está por trás de um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA).
Biólogos e engenheiros ambientais investigaram dados das buscas que milhões de indivíduos de 20 países fizeram na internet usando o termo “formigas”. Foram coletadas informações referentes a um período de 13 anos, de janeiro de 2007 a dezembro de 2019. Ao identificarem os períodos de maior volume nas buscas, os pesquisadores perceberam uma influência das alterações climáticas sazonais.
“Temperatura e precipitação são duas variáveis que estão relacionadas com a atividades das formigas. Então, nos meses mais quentes, elas se mostram mais presentes em locais indesejados, e o ser humano fica mais incomodado. As pessoas começam a buscar métodos para erradicá-las”, diz Antônio Queiroz, biólogo do Laboratório de Ecologia de Formigas da UFLA que liderou a equipe de seis pesquisadores envolvida no trabalho.
Um artigo com os resultados do estudo foi publicado na última semana, no Mymecological News – jornal científico administrado pela Sociedade Austríaca de Entomofaunística (ÖGEF, na sigla em alemão). O periódico é uma referência mundial em mirmecologia, a ciência que se ocupa do estudo específico das formigas.
Conforme o artigo, no hemisfério norte, onde as mudanças climáticas sazonais são mais intensas, há maior variação nas buscas ao longo do ano com picos nos meses de clima quente.
Em países com diferenças mais sutis entre as estações, o volume de pesquisas na internet sobre formigas tende a se manter mais constante.
Segundo Queiroz, a pesquisa está em sintonia com outros estudos que já apontaram para uma maior atividade desses insetos nos dias quentes, o que permite levantar a hipótese do declínio populacional decorrente do aquecimento global. Ele pondera, no entanto, que a diminuição do número de formigas é uma questão ainda em estudo. “O impacto do aquecimento global sobre espécies [de formigas] ainda não é um consenso como já é para as abelhas”, explica.
No fim do mês passado, o Journal of Biogeography, um periódico científico que publica textos com revisão por pares, já havia publicado os resultados de outro estudo do Laboratório de Ecologia de Formigas da Ufla que trata sobre o assunto. Liderada pelo biólogo Chaim Jose Lasmar, essa pesquisa investigou como as formigas procuram alimentos nos diferentes biomas do Brasil. O clima se mostrou como um elemento crucial nesse processo. O estudo sugere que o aquecimento global resultará em mudanças na vida das formigas e, consequentemente, terá repercussões nos ecossistemas onde elas existem.
Aspectos variados
A ferramenta usada para coletar dados das pesquisas na internet foi o Google Trends. O maior volume de buscas visa encontrar formas de erradicar os insetos. Segundo Queiroz, no Brasil, apenas 13% das buscas foram motivadas por curiosidade sobre as formigas. No entanto, o artigo destaca a influência de variados aspectos naturais, sociais, tecnológicos, culturais e linguísticos.
Há, por exemplo, maior constância do interesse dos internautas sobre o inseto em países onde há mais gêneros e espécies e onde maiores parcelas da população têm acesso à internet.
Na Colômbia, onde a formiga é usada por populações humanas como fonte de alimento, há pesquisas por receitas. Além disso, em países com idiomas derivados do latim, nota-se um volume perceptível de buscas sobre o significado das formigas nos sonhos.
“A curiosidade gera mais pesquisas em determinados locais. O interesse na biologia dos organismos está em alguma medida ligada à cultura do país”, explica Queiroz.
O estudo também apontou que, apesar dos padrões nas variações sazonais se manterem, o número total de buscas sobre o inseto vem subindo ao longo dos anos em praticamente todos os países. Os pesquisadores acreditam que esse aumento decorre da crescente inclusão digital.
Divulgação científica
O artigo sugere ainda que os dados sobre o comportamento humano na internet podem ser usados em favor da divulgação de conhecimento científico. “Se sabemos quando as pessoas estão pesquisando sobre formigas com o intuito de erradicá-las, podemos aproveitar esse momento de interesse para divulgar os achados científicos e elucidar sobre a importância desses animais”, diz Queiroz.
O papel das formigas nos ecossistemas, embora seja bastante estudado pelos mirmecólogos, ainda é pouco conhecido pela população em geral. Esses insetos desempenham, por exemplo, funções relevantes na dispersão de sementes, na reciclagem de nutrientes, na recuperação dos solos e no controle de pragas rurais e urbanas.
Queiroz acredita que os meses mais quentes podem ser o momento certo para criar estratégias de disseminação de informações e também de dicas para prevenir uma invasão doméstica.
Como as formigas estão sempre em busca de recursos para suas colônias, o melhor caminho para evitar o incômodo com elas dentro de casa, de acordo com o biólogo, é bastante simples: não deixar comidas expostas.
“Os primeiros meses quentes do ano são os ideais para fazermos mais atividades de ciência. Há locais onde as formigas chegam a ser um problema de saúde, o que torna importante disseminar o conhecimento sobre formas de controle. Mas esse não deve ser o único foco. Precisamos mencionar os aspectos positivos, para desmistificar a aversão de muitas pessoas com insetos e formigas”, acrescenta.
(Fonte: Agência Brasil)