Creio ser esta a primeira vez que a Academia Maranhense de Letras comemora o seu aniversário de fundação, com a solenidade de posse de um acadêmico. Um ato que se associa a um fato, na coerência com que ambos se atêm à vida da agremiação, em sua renovação e em sua permanência. Tomar posse é simbolicamente fundá-la de novo. O 10 de agosto já é uma data roubada a Gonçalves Dias para ser, no tempo, o marco oficial que introduz a Academia na história literária do Maranhão. Agora é a data de que se serve Paulo Nascimento Moraes para penetrar esta Casa e nela ocupar a Cadeira de nº 16.
Não sei se devo primeiro parabenizar o poeta Paulo, que aqui chega em tão boa hora, ou se devo parabenizar a Academia, que o recebe como um presente que o Maranhão literário lhe dá, nesta noite festiva. Só sei que os dois acontecimentos são, em resumo, homenagens que se acumulam sobre a memória de Gonçalves Dias, núcleo inspirador de onde a Academia tira a sua razão histórica e a força com que se tem mantido cada vez mais viva, mais atuante, ao longo dos seus setenta e quatro anos de existência. A Casa de Antônio Lobo sente-se duplamente em festa, e esta alegria dobrada também se desdobra no tempo e vai tocar o espírito daqueles que, neste mesmo recinto, nesta mesma data, implantaram, em 1908, a imortalidade acadêmica. É em presença deles que aqui estamos, porque assim a nossa memória o diz. E eles estão felizes com a chegada aqui do novo acadêmico pois isso reafirma a concretização do que idealizaram.
Não preciso apresentar o Paulo à Academia nem a Academia ao Paulo. Ambos se conhecem de longa data. Não tenho, pois, necessidade de abrir o presente diante da aniversariante, para que ela assim pudesse alegrar-se, como colhida por uma surpresa agradável. Paulo já era esperado por ela. E a grande alegria está em que, sendo tão esperado, veio. E veio para ficar, como ele próprio já disse. Essa afirmação parece desnecessária, mas é significativa, pois a família Moraes não é estranha a esta Casa. Nem poderia ser. A Academia sempre deu a acolhida que ela merece, a partir do velho Nascimento Moraes, grande jornalista e grande professor, que muito a honrou e que dela foi um digno presidente. E sabe a Academia que nenhum Moraes chegou aqui que não fosse de livre e espontânea vontade.
Mas Paulo não vem simplesmente por ser Moraes. Vem, sobretudo, por ser ele próprio, na força de sua individualidade, no potencial humano e na riqueza de alma com que encarna o espírito coletivo e a maranhensidade legítima de toda urna geração que marcou lugar definitivo na história de nossas letras. Paulo é uma época, um estado de espírito ou a razão viva de uma das inúmeras formas que o maranhense usa para exprimir a sua intelectualidade. Paulo é povo, no que esta palavra tenha de mais autêntico. É gente, no quanto mergulha a reavida pureza daquele substrato maranhense, que é fermento de tempo, mas que nele se transmuda em humana marca de pessoa para quem o patrimônio maior é a amizade sem interesse, a solidariedade sem tropeços. Paulo emerge daquele envolvente universo literário que, por sinal, persiste ainda um pouco entre nós, e onde quase só pontificava a intelectualidade boêmia, através da qual inteligências brilhantes e luminosos talentos se cruzavam em eventos memoráveis, para instantes de fulgurações retóricas que encantavam multidões.
Não se pode esquecer uma certa tendência que o Maranhão sempre teve para o que se poderia chamar de literatura-show, pautada numa espécie de pirotecnia imagística de deslumbrantes efeitos auditivos. A história nos fala dos inesquecíveis saraus, nestes velhos sobradões de São Luís, com a presença de grandes conferencistas, de grandes oradores, de grandes improvisadores, de grandes declamadores e de quantos sabiam eletrizar os ouvintes, pela palavra que lhes caía fácil dos lábios. De posse dessa magia verbal, muitos operaram verdadeiros prodígios, em seu tempo. E tamanho era esse fascínio pela oralidade, que disso resultou que algumas gerações acabassem por nos dar aqueles que hoje conhecemos como escritores sem livros.
Ainda neste século, Coelho Neto, embora escritor de tantos livros, parece ter referendado essa tendência, com sua capacidade de improvisação, que o fazia mestre na arte de usar o circunstancial para uma literatura de efeito rápido, preparada à minuta e transformada em mero espetáculo público, ao gosto da plateia. O Prof. Rubem Almeida deixa bem claro esse aspecto, quando nos fala da segunda visita daquele escritor a São Luís. Diz ele: “Hospedou-se na morada inteira do Largo do Palácio, residência de Manuel Alves de Barros, Manduca Barros, na intimidade, onde, por nosso alvitre, foi colocado um livro de presença. À noite, após o jantar, já era enorme a aglomeração em frente da casa, aos gritos de apelação: – Coelho Neto! Coelho Neto!
Coelho Neto apareceu à janela sob delirantes aplausos.
– Digam, meus amigos, o tema que deseJam.
– Amor! Saudade! Beleza!...
Escolhendo o tema primeiro proposto, Coelho Neto, de improviso, fez belíssima dissertação. Esta cena repetiu-se todas as noites, sempre com temas diversos, propostos pelo povo”.
Entre outros episódios então ocorridos, cita o Prof. Rubem este: “Vinha a romaria da estátua de Gonçalves Dias ao crepúsculo de 31/11/16, tendo à frente Coelho Neto. Ao passar em frente ao Quartel do 25º BC, o oficial e a guarda saíram para a cerimônia do arriar da bandeira. Heitor Belfort, dos maiores entusiastas de Coelho Neto gritou, num grito que era um pedido:
– Hino à Bandeira, Coelho Neto!
Não se fazendo esperar, começou o orador: – “Pavilhão esplendoroso de nossa terra, cujas esferas e estrelas são o próprio céu e as próprias estrelas do Brasil; tu que sempre panejaste altaneira e soberana nos dias de paz e nos dias de guerra, ouve contrita este hino, que mais vale de prece, partido dos lábios de um filho que pelo sangue materno se julga com direito a entoar-te...”
Acrescenta o Prof. Rubem que, “assim nesse fraseado, com o valor da renda caprichosa, Coelho Neto entoou hino formoso à Bandeira Nacional”. O resultado, segundo ainda Rubem, foi que “logo ao início da oração, o oficial deu ordem à guarda de suspender a cerimônia. E comandante, oficialidade, soldadesca, todo o quartel, enfim, veio postar-se em frente do edifício. A ovação recebida foi a maior de todas. E a Bandeira, contra o regulamento, foi arriada às sete horas da noite”.
Está aí uma das características bem maranhenses no que diz respeito ao uso e vulgarização do talento literário. E era isso uma manifestação já tardia da fase áurea do beletrismo calcado na floração verbal que sacudia os salões burgueses, com aquela literatura definida como “o sorriso da sociedade”. Também isso parecia deixar evidente, desde cedo, uma verdade que o tempo veio comprovar: que Coelho Neto era, de fato, mais para ser ouvido do que lido, apesar das dezenas de obras que deixou. Ficou como um símbolo. Era o “show-man” das letras, a queimar-se, consumindo-se, no fogo da oratória, para encantamento de quantos tiveram a felicidade de ouvi-lo.
E vem talvez daí o enorme surto de inúmeros talentos que em São Luís só se fizeram escutar, não se fizeram ler. Confiavam na tradição oral maranhense, aliás tão forte, na verdade, que ainda hoje o que mais algumas pessoas lembram de Gonçalves Dias, por exemplo, não é a “Canção do Exílio”, tantíssimas vezes publicada, mas um poema de circunstância atribuído a ele e que não aparece em nenhuma de suas obras. A memória auditiva supera aqui a memória visual. Temos um povo afeito mais ao ouvido e isso talvez até explique a sua tradicional indiferença pelos arquivos, o seu descuido com relação aos documentos históricos. Já Antônio Lopes, quando escreveu a “História da Imprensa no Maranhão”, dizia o seguinte: “O Maranhão dispõe apenas de dois arquivos desorganizados e que perderam, por via do desleixo dos homens e da ação de traças e cupins, muito mais da metade dos papéis e livros ali amontoados durante mais de quatro séculos”.
Ele devia saber que aqui os estudiosos têm de fazer o milagre de recompor do pó a imagem de um passado que, em certos casos, se sustenta, na memória, mais sob a forma de tenda do que de verdade histórica. É evidente que em nossos dias essa tendência auditiva vem perdendo sua força, até porque a televisão tem contribuído muito para que o mundo se transfira dos ouvidos para os olhos.
Mas Paulo vem ainda de uma geração boêmia, orientada mais para o dizer que para o escrever. Geração de oradores, de conferencistas, de declamadores e daqueles que até se sentiam publicamente envergonhados quando eram obrigados a apresentar um discurso escrito. Primavam pela expressão oral, quando tudo havia de ser som e sonho e num tempo em que a musicalidade dos dias vinha de cada um em particular e não por imposição de máquinas massificadoras como hoje. Dentro da atmosfera literária que, para os boêmios, era sempre festiva, intelectuais e músicos se associavam e construíram assim um mundo vibrátil de que São Luís é ainda hoje a caixa de ressonância. Não é por outra razão que Paulo sente, até agora, ressoar, no tempo e dentro de sua alma, o saxofone de Paulinho Almeida ou de Jofran Moraes, o violino de Lauro Leite, o piano do Madeira, o rebecão do Roque, o violão de Custodinho, de Hildebrando ou de Mundico Pretinho. Todos eles juntos fizeram vibrar a corda lírica de uma época encantada, para a qual o Maranhão tinha uma acústica própria e um sentimento como que feito sob medida. Eles são ainda hoje a música de fundo de uma poesia que no imenso das noites a cidade continua a declamar.
E é daí que Paulo traz essa saudável jovialidade, esse espírito alegre de criança sempre deslumbrada com seu brinquedo, esse ímpeto interior de pujança anímica que ele faz explodir em sua inconfundível gargalhada, como uma reação ao fluxo de tragicidade dos nossos tempos. Paulo extraiu da própria vida o direito de gargalhar. Para ele, rir é pouco. Se lhe perguntarem a razão disso, ele responderá apenas com uma gargalhada. E embora boêmio de velhos tempos, não é, como se podia esperar, um saudosista, pois se comporta, por assim dizer, como o continuador autêntico e alegre de uma São Luís outra, que não parou, porque nele se mantém personificada e viva. Mas é o boêmio fixado no seu espaço histórico, na atmosfera centrada da urbe colonial e aí habituado, a ponto de quase não poder respirar, quando, por acaso, posto na expansão urbanística desses inúmeros conjuntos habitacionais, onde, deixado sozinho, ele se sentirá desorientado e perdido, não sabendo mais voltar. Na sua opinião, esses são lugares onde a gente habita, mas não se habitua.
Fiel à velha cidade, o boêmio dela não se afasta. E a cidade tem nele o testemunho de atos e fatos que a fizeram lírica e romântica, quando não, algumas vezes, épica ou trágica. É o exemplo, hoje raro, do homem na cidade e da cidade no homem, pois São Luís está encarnada nele, tomando-lhe a alma e a pele, para mostrar a força do seu condicionamento histórico e de sua herança étnica. A cidade absorve o boêmio. E o boêmio bebe o espírito da cidade, bebe a alma das ruas e bebe os últimos silêncios enluarados, nas madrugadas de alguns logradouros suburbanos. O boêmio sabe que São Luís é dotada de uma ternura líquida que faz muito bem aos que a bebem para embriagar-se de amor.
Mas os que só veem o boêmio de modo superficial pensam ser ele apenas um poeta que bebe no Bar do Zequinha ou na Base do Cabral, lá onde nunca falta a marca de cerveja de nossa preferência, que não será revelada aqui, para que os maldizentes não fiquem a imaginar que esta posse está sendo patrocinada. Paulo tem ali as ambiências mais constantes do seu beber compromissado com a poesia da vida. Não bebe para curtir frustrações nem para apagar mágoas. Bebe para conter o tempo na dimensão exata do quanto pode esse tempo medir-se em diretrizes existenciais afloradas numa personalidade livre, que nem por isso deixa de ser responsável.
O boêmio sustenta uma linha de tradição da cidade e de coerência com o próprio eu. Parece ser o último senão o único verdadeiro boêmio de São Luís, em nossos dias. Uma individualidade querida, na multiplicidade de suas manifestações, pois nele antigos alunos reconhecem e respeitam o professor rigoroso que falava alto; homens de imprensa acatam e admiram o jornalista; políticos de qualquer partido o festejam e abraçam; admiradores de seu intelecto aproximam-¬se para ouvir as declamações do poeta; grandes e pequenos reverenciam a pessoa humilde e amiga que ele é, em todos os momentos, e foliões já aposentados invejam nele o grande carnavalesco que nunca deixou de ser. E aqui lembro um fato que precisa ficar registrado. Sabe-se que ultimamente o fofão está sendo de novo introduzido em nosso carnaval. Mas a rigor ele nunca deixou de ser presença no período momesco, graças a Paulo que jamais o abandonou na folia e a respeito de quem escrevi certa vez que era ele o único fofão que ainda restava no quadro geral de nossas tradições.
Essa sua integração espiritual com São Luís nunca perdeu a consistência, nem mesmo quando, nele, o jornalista e o boêmio estagiaram juntos no Rio de Janeiro, e ali acabaram ficando durante quase dez anos. Aquele jornalista que trabalhou com Assis Chateaubriand, em “O Jornal”, com Jurandir Pires Ferreira, em “Força da Razão” e com Samuel Wainer, em “Diretrizes”. E aquele boêmio que pontificou na Galeria Cruzeiro, que foi um dos príncipes da Lapa, quando a Lapa ainda tinha nome e onde a razão não tinha força e as diretrizes eram outras. No Rio, o boêmio se tornou amigo de vários intelectuais e de grandes cantores da época, inclusive do monstro sagrado que era o Orlando Silva, tendo ainda registrada, em seu currículo, a proeza de várias vezes haver bebido na mesma mesa com Madame Satã. Viu assim de perto o que o Rio tinha de manso e de violento, e aprendeu onde está o equilíbrio real das tendências humanas. A Lapa era o laboratório onde o jornalista, o boêmio e o poeta pesquisaram a vida em todos os sentidos.
Paulo havia desse modo contrariado a vontade do velho Nascimento, que desejava ver o filho, não em redação de jornal, longe daqui, mas em escritório de advocacia, na sua terra. E, de certo, nunca imaginaria a Lapa como alternativa. Mas acontece que com dois anos que frequentava já a Faculdade de Direito, o boêmio descobriu que estava indo por um caminho torto. Não queria o direito que o pai lhe sugeria, mas o dever de cumprir o que lhe determinava a índole de jovem, que, pensando bem, não deixava de ser o quanto herdara do velho, também jornalista e boêmio. O fato é que era preciso escapar de ser doutor. No fundo, estava a seguir o próprio caminho do pai, mas seguir por si mesmo, dispensando o apoio paternalista que, de certo, o sufocaria.
A relação entre pai e filho tinha de caracterizar-se por uma amizade profunda que sempre perdurou, mas também por um respeitoso sentido de independência entre os dois firmado e que nunca deixou de persistir. Isso ficara, de logo, bem explícito, numa carta que do Rio Paulo fez ao pai, quando este, já o aceitando jornalista, manifestou o desejo de que o filho viesse trabalhar com ele, em São Luís. Dizia Paulo: “Sou seu amigo. Admiro-o muito. Devo-lhe o que sou. Mas quero honrar isso, sendo eu mesmo. Aqui no Rio, posso usar o meu nome. Aí, serei apenas o filho do Nascimento”.
Alguns anos depois, convidado por La Rocque e Neiva Moreira, Paulo veio a São Luís, para cumprir uma tarefa de poucos dias e voltar. Não voltou. O reencontro com a cidade tornou impossível o regresso. Ambos foram apanhados na teia de um velho amor. E eu então conheci o Paulo, no Bar do Castro, ali na Rua do Sol, em 1955. Apresentaram-me, nele, o orador, o professor, o declamador, o jornalista, o poeta, o boêmio. Não me era possível conhecer tudo isso de uma vez. De maneira que tive de começar pelo boêmio, o que estava mais na vista e, ao longo do tempo, nossa amizade se fez grande. E continua maior.
Acho que foi Paulo quem mais me ensinou São Luis. A partir do fato de que São Luís é mais fácil de entender quando a escutamos no meio do povo, como uma ressonância da memória coletiva, na alegre espontaneidade de sua rica expressão folclórica. São Luís sempre me pareceu tornar-se mais autêntica, quando recordada pela boca de seus boêmios, do que quando lembrada pelos escritos dos seus historiadores, onde tudo vem sendo controvertido, e sujeito a discussões intermináveis, desde a fundação da cidade, no século XVII, até a instalação da Alcoa, no governo Castelo. E talvez só uma coisa se conclua de maneira clara e definitiva: é que se a cidade não houvesse sido fundada, e historicamente envolvida por três nações, a Alcoa não estaria aí, multinacionalmente alojada.
Paulo sabe que São Luís é esse eterno debate, mas também sabe que há nela uma coerência, uma harmonia interna e uma razão constante de amor, para os que, não perdendo tempo em discuti-la, ganham esse tempo em vivê-la. Ele não é, portanto, um indiferente, mas um espírito solidário com o destino das coisas e dos homens, numa visão mais ampla, mais abrangente.
Daí sua razão de preferir questionar o mundo lá fora, em seus comentários políticos, porque sabe que assim questiona o mundo em seu todo. Percebeu isso quando se viu obrigado a procurar uma saída para não ter de permanecer calado, pois escrever diretamente sobre a política mais próxima era cadeia na certa. O exemplo se deu em 1964, ano da Revolução, como assim se dizia. Paulo já vinha sendo acompanhado em suas ideias. Até que publicou um artigo intitulado “Revolução não é quartelada”. Procurava definir as duas coisas, à guisa de esclarecimentos. Foi preso, levado, de madrugada, para o 24º BC. Estava aí talvez o modo de lhe mostrarem o que era de fato revolução e para que servia quartel. Isso não mudou o pensamento de Paulo. Desviou-lhe, porém, o enfoque dos problemas políticos, já que, trancafiado, não lhe seria possível falar daqui nem do mundo. E, desde então, vem ele se metendo com as eternas encrencas entre árabes e judeus, tendo, no decorrer do templo, feito algumas pausas apenas para falar em coisas como a guerra do Vietnã, o caso escabroso do Nixon, o golpe do Chile, a maior ou menor importância do peronismo, o conflito do Iraque e Irã, a guerra das Malvinas, etc.
E curioso que um homem assim, preocupado com essa geografia de horrores, seja o mesmo que no Bar do Zequinha se enternece com o Nelson Gonçalves cantando “Apelo” do Vinicius de Moraes. Mal começa a música e ele já está gritando para o Zequinha: é pra repetir! é pra repetir! E a poesia de Vinicius se derrama suplicante – ah, minha amada não te ausentes, pois a dor que agora sentes só se esquece no perdão. E é um boêmio mexendo, sem o saber, com a alma de outro boêmio, que faz coro ao apelar para a amada – eu te peço, não destruas tantas coisas que são tuas por um mal que já paguei. E ante essa amada da canção, que é um símbolo de todas as amadas ou a cristalização musical da amada única, o boêmio, considerando todos os apelos, parece consolar-se espiritualmente, convencido da certeza expressa nos versos que finalizam por dizer – meu amor, tu voltarias e de novo cairias a chorar nos braços meus. Vê-se que a amada, mesmo quando machucada na vida, é humanizada na canção e condescendente na crença do boêmio.
Em momentos assim estamos diante do poeta, do Paulo das “Aquarelas de Luz” e não mais do Paulo das telas escuras, dos quadros de sombras, pintados através de seus comentários, com os sangrentos ataques de Israel e Líbano, e as perspectivas sombrias de ameaças ao mundo inteiro. “Aquarelas de Luz” fala de um outro mundo, claro, alegre, luminoso, que é o mundo íntimo de Paulo. Trata-se de um livro de poemas publicado à revelia do autor, que nunca se preocupou em ser um poeta para ficar, mas apenas em ser um boêmio que faz versos, quase que exclusivamente para o seu próprio consumo.
Não esquecer o que eu disse há pouco, quando falei de gerações que se aplicaram mais ao que é dito do que ao que é escrito. Paulo é um produto disso. E está entre os que produzem poemas só pelo gosto de declamá-los, como os pássaros que apenas cantam e não se interessam em deixar nada registrado, porque parecem saber que sempre haverá pássaros cantando. Ele mesmo fala de seu livro como sendo “minha fuga espiritual, até então no esbanjamento das declamações, uma ilustração permanente das rodas de boêmio da Guanabara, cantigas das impressões mais íntimas, versos que estavam no catecismo do meu eu em prece, sem nenhuma pretensão de os ver, um dia, enfeixados em livro”.
Foi seu irmão José que resolveu, por conta própria, reunir o que pôde e publicar, não havendo nisso a menor interferência do poeta, a não ser a de exclamar: ‘“Aquarelas de Luz’, não te pude guardar como dantes. Agora tu te libertas de mim para a curiosidade dos outros. E eu te ficarei olhando neste bater de asas”. A verdade é que nem olhando ficou, pois a indiferença de Paulo era tamanha que até para o lançamento do livro teve que ser convidado pelo irmão, como se fosse um estranho. Eu que levei o convite.
E só então pude afinal também ver impresso o soneto que eu já estava cansado de ouvir, o soneto que dá nome ao livro, o famoso “Aquarelas de Luz”, feito para ser declamado aos amigos, nas rodas de bar, e que tantas vezes mereceu de mim acompanhamento musical, no tempo em que eu buzinava meu velho saxofone na cidade. Aliás, foi por isso mesmo que o soneto começou a sair de circulação, apesar de continuar solicitado. É que eu reagir contra a mania de declamações em nosso grogue de fim de semana. E tal foi a reação que, depois de algum tempo, Paulo chegou mesmo a não mais se lembrar do soneto todo. Descobriu isso um dia e ficou danado comigo. Eu estava prejudicando a oralidade do poeta. E então, se o próprio poeta já o vinha esquecendo, era conveniente mesmo que fosse publicado o “Aquarelas” em livro.
Eu até imaginava que Paulo tinha apenas aquele soneto. Mas vi, após a publicação, que “Aquarelas de Luz” inicia uma série de outros sonetos, seguida de algumas trovas, na primeira parte do livro. Na segunda parte, o poeta se liberta completamente do metro e da rima e nos mostra o que ele próprio considera “produções jogadas a esmo, uma abertura das minhas horas de estar só, olhando coisas, sentindo coisas”.
O que me pareceu, de logo, interessante e que, mesmo cultivando o soneto em versos alexandrinos – o sonetão – Paulo já reage contra a tirania imposta por aquele tipo de poema, deixando-se levar mais pelas suas emoções quentes do que pela frieza formal que o soneto exige. Não que ele desconheça a técnica, pois o soneto “Aquarelas de Luz” é tecnicamente perfeito. Mas não sei de nenhum outro maranhense que ousasse impor à sisudez de um soneto alexandrino rimas toantes, como “juntos” com “sustos”, “horto” com “corpo”, “virgem” com “ninho”, e de tal modo que o poema em nada perde na sua relação com os outros versos de rima consoante. Quase não se compreende, diante disso, que tenhamos às mãos os versos de um poeta que canta o que quer, sem nenhum compromisso sério com a arte em si mesma, importando só as manifestações imediatas de sua alma de boêmio. E a propósito do seu livro, já eu escrevera, em 1973, que, mesmo com essa despreocupação, com essa indiferença, com esse quase desprezo que tem pela sua obra publicada, o poeta Paulo, posto em confronto com tantos que se dizem laureados ou premiados em festivais de rimas e jogos florais, ganhará por muitos pontos, pelo conteúdo humano de seus versos, pela sensibilidade que deixa transparecer, através deles, e pelo feitio espontâneo dos poemas, reflexo daquele seu jeito pessoal de fazer ou de encarar as coisas, com a filosofia própria de quem nunca olhou o mundo senão com a alegria de uma gargalhada. e verseja tão descompromissado quanto uma criança que brinca.
Naquele ano, também eu dizia que “Paulo Moraes, como homem sensível, de espírito boêmio, indiferente às glórias, tanto as de fora como as de dentro da Academia, é um poeta que continua na dele: nem pretendeu fazer uma obra imortal nem tem intenções de com ela arrombar os portões da imortalidade”. Lá isso era verdade. Mas eu não tinha nada que tocar num assunto desse. O caso é que, nesse tempo, não me achava ainda também na Academia, e nunca me era possível adivinhar que eu mesmo teria de mais tarde receber aqui o poeta com as aquarelas e tudo.
Mas deixemos isso de lado e vejamos um pouco de sua obra. Em “Aquarelas de Luz”, na sua primeira parte, ou melhor, nos versos da “década de 50”, como o livro indica, o poeta está voltado quase que inteiramente para o amor carnal. A mulher é cantada em todos os sentidos, e há mesmo um soneto em que o poeta chega à aleluia da carne, fazendo batismos de beijos e outras coisas mais. Poderíamos, de início, considerar uma poesia gratuita, com todos os defeitos dos inúmeros românticos que puseram o seu lirismo a serviço da alcova.
Mas há em Paulo Nascimento Moraes um esforço para sublimar liricamente a carne, já que se pressente em sua poética um predomínio de luz e som a envolver tudo, como se o sensualismo dos seus versos tivesse que irromper através de clarões e sonoridades. O primeiro soneto aponta logo esse binômio, como um apoio imagístico de que se utiliza o poeta: – Aquarelas de luz numa tarde de agosto!... / E bem junto de nós a canção das cigarras... / E, no azul deste céu, o agitar das fanfarras / Destes ventos do sul, a beijar o Sol-Posto!
Mesmo quando a tarde se finda e já não há mais luz, ficando apenas o mar com seus sons de guitarras, o poeta encontrou meios de iluminar o rosto da amada, tirando claridades até da aflição. Veja-se, no mesmo soneto: – Fim de tarde a cair, sem o mal de um desgosto!... / E este mar a gemer como sons de guitarras... / E este amor a morrer, a quebrar as amarras / Dessa grande aflição que ilumina o teu rosto!...
Nessa ânsia de claridades e sons, até as cartas de amor Paulo define como filigranas sonoras da vida / com cenários de luz. Nuns olhos de virgem, ele percebe ao mesmo tempo luares de amor e cantigas de amor. Sempre a luz e o som de mãos dadas, diante do poeta para quem até a dor tem teclado, no qual ele esbraveja. E, depois de afirmar que o recalque de todos os desejos reluz sinistramente em relampejos que em gritos se transmudam, faz questão de lembrar-nos a revolta dos arpejos de Mozart.
Às vezes se vê sozinho coberto de luz, como neste verso: E me deixo banhar pelo sol de outras vidas, ou acompanhado, como nestes: E nós, ambos os dois, chegaremos um dia / retoucados de luz à alvorada dos sonhos. Mas também inundados de sons: Nosso amor viverá, pois que assim nós queremos / como um hino de paz, de sonhos e saudades.
Desse poeta que vê o desejo reluzir em relampejos e tais relampejos se transmudarem em gritos, teria que sair este quarteto que constitui um quadro do mais puro impressionismo, onde a tônica luz-sonoridade impõe uma força plástico-poética verdadeiramente impressionante: Luminuras de Sol, clareando a ramagem! / Refulgência de luz esbatendo os caminhos! / Inundado de Fé, deixo longe a miragem / Dos meus sonhos de amor no balanço dos ninhos! Nem é preciso dizer que aí, em meio a tantas “iluminuras”, a música aparece apenas sugerida pelo balanço dos ninhos, e por isso nos atinge mais do que quando o poeta fala diretamente nela.
O binômio luz-som transparece ainda mais forte neste verso em que ele faz alusão aos olhos da amada, afirmando que neles brilha a fé dos poemas risonhos. Vê-se que aí a luz espiritual se confunde com o cantar profano dos versos em sua alegria de rimas, para um equilíbrio entre o divino e o humano, que é o quanto busca a poesia em seu objetivo maior.¬
Mas, como eu disse há pouco, Paulo Moraes, mesmo com essa forte tendência de iluminação e musicalidade, não se incomoda de tratar os elementos de sua poética com a exata despreocupação de uma criança diante de seus brinquedos. Perdida para ele a graça lúdica, deixa os versos de lado, alguns até quebrados, tal como o garoto que só se acha satisfeito quando aquilo que encantou o seu mundo de menino ficou destroçado ou defeituoso.
E vejamos o que acontece quando esse menino grande brinca de erotismo. Não se vai poder afirmar que grandes contribuições para o nosso lirismo tenha trazido a poesia de “Aquarelas de Luz”, em sua excursão pelo mundo lúbrico das alcovas. Já ficou mais do que provado que a intenção de Paulo Nascimento Moraes não é a de querer enriquecer a poesia, mas de servir-se desta para enriquecer as emoções de seus momentos íntimos, reais ou imaginários, pouco importa, e levá-los apenas ao nível das declamações, para uma ilustração permanente das rodas de boêmio da Guanabara, como ele mesmo diz.
Pode-se imaginar que leitos e que alcovas teria o boêmio frequentado, na sua fase de jornalista, lançado ao noturno mundo pecaminoso da Cidade Maravilhosa, onde em geral se pensa em tudo, menos em levar aos outros a poesia que dali é possível extrair. Mas lá onde o repórter buscava notícias para as colunas policiais, o poeta encontrava motivos para os sonetos que o boêmio declamava depois, nas rodas de amigos. Era ele sozinho num trabalho de equipe.
E esteja ou não incluído dentro dessa faixa de inspiração um tanto suspeita, há um soneto intitulado “Neste leito de amor...”, em que Paulo consegue com apenas dois versos dar-nos uma descrição perfeita do campo amoroso, após a batalha dos corpos, impondo dignidade literária aos versos e fazendo uma excelente síntese poética, o que não é comum aos que, na mesma linha, gostam de mostrar em versos os seus pruridos sexuais, numa pura e simples masturbação de rimas.
Vejamos o poeta a dizer que no leito há a marca brutal dos sonhos que sonhamos / E a desarrumação dos abraços e beijos. Está aí lembrada a pacífica violência do sonho amoroso, e o segundo verso transfigura, de modo admirável, o desarranjo, a desordem de uma cama, coisa sempre muito prosaica, ainda que tal desordem seja provocada pelo amor. Nesse mesmo soneto, há também um verso que pode sugerir várias ideias em torno de uma informação única: há flagrantes de nós na brancura do linho...
Ainda que não possa fugir aos lugares-comuns da poesia erótica, largamente explorada e não raro prostituída por quantos a corromperam, fazendo-a descer, às vezes, ao plano da pornografia, ainda assim o poeta Paulo Moraes, com aquele poder de iluminar e sonorizar as coisas, obtém bons momentos de poesia superior, em seus sonetos cheios de sensualismo, alguns dos quais ele nem se importa que acabem tão desarrumados quanto um leito de amor.
Nem sempre, porém, o poeta, na primeira parte de seu livro, fala só de amores imediatos, que exigem soluções simples de alcovas, e estamos conversados. Há também amores difíceis, condenados a uma espera indefinida, embora os corpos ardam e o poeta fale à amada na descrença de nós e de nossas vontades, ou se queixe de que nossas vidas têm sido um agitar de esperanças, para terminar afirmando que viveremos assim com o corpo em desejos / esperando que a dor deixe em paz nossas vidas / para nós nesse amor nos fundirmos em beijos.
Mas ocorre que, enquanto o poeta espera que a dor o deixe em paz, o boêmio não espera nada, e como um Pigmalião menos angustiado, esculpe o seu “Modelo”, título de um soneto em que o corpo nu da mulher é uma estátua de carne, pedindo meus abraços, clamando por meus beijos. E ei-lo indo mais longe, em suas arrancadas eróticas, exclamando diante da estátua viva: Deslumbrado de ti e em êxtase... Perplexo, / me ajoelho a teus pés, e sem pensar nos receios, / vou com beijos vestindo a nudez do teu sexo. Nota-se que o poeta, quando passa a escultor, fica mais afoito, e deixa de ser aquela criança que brinca com aquarelas, embora não vá além de um fortuito Pigmalião ante uma estátua de rimas.
Do erotismo boêmio que em Paulo Moraes parece só caber em versos de tamanho alexandrino, passa-se, em “Aquarelas de Luz”, logo em seguida, para a perplexidade do poeta diante da vida e da morte. Mas já esse problema transcendental e eterno cabe em versos de sete sílabas. As trovas do poeta são cheias de preocupações e queixas. A morte, a saudade, os olhos da amada são aí os elementos de que ele faz uso constante. Mas Paulo demora pouco nas redondilhas, onde consegue dizer que a saudade é a adubagem da ausência, que sua mãe só não é Nossa Senhora / por não ser mãe de Jesus, que viu a santa passando na procissão do Senhor, e viu nos olhos da santa o pranto da sua dor.
Dito isso, encontramo-lo, em seguida, a mostrar-nos os poemas da “década de 60”, onde o vemos completamente livre, tanto nos versos, como nas ideias, confessando-se, antes de mais nada, cheio de Marias. Talvez ele seja, na paróquia, o mais mariano dos poetas que conhecemos. Começa por dizer: Na minha vida já tive muitas Marias... / E de algumas me lembro: / das Dores... / dos Remédios... / da Consolação... O poeta parecia haver compreendido que, sem precisar sair do mundo das Marias, todos os problemas podiam ser resolvidos. Se encontrava uma das dores, vinha em seguida uma dos remédios, ou, quando nada, uma da consolação.
E não é só isso. Continua ele no poema: E ainda tive outras Marias... / da Piedade... / das Flores... / Maria Rosa... Foi então que resolveu fazer logo o seu canteiro, e daí o verso: Eu plantei Maria no meu coração. A que mais o poeta amou – doidamente, alucinadamente – foi Maria dos Prazeres. Talvez seja por isso que algo desastroso aconteceu no jardim do boêmio e o levou a confessar esta desgraça: Mas depois / na tormenta das minhas ilusões, / perdi todas as Marias! É bem verdade que um dia nasceu ainda uma Maria, a do Arrependimento. O poeta continuava, porém, a esperar a sua Maria verdadeira, insistindo no refrão: Maria vai chegar / na representação de Verônica... ou Maria vai chegar com os cabelos mais brancos, iluminados de lembranças...
Sabe hoje ele que quem chegou, de fato, para ficar na dedicação, no afeto, no carinho, no permanente companheirismo, com respaldo no amor paciente e sincero, ocultou até o nome de Maria, para chamar-se só Emília.
Ainda em “Aquarelas de Luz”, esse poeta das perdidas Marias, canta também outras coisas do mundo e da vida. Era menino / quando saí / da noite iluminada / para o exercício mental / das minhas divagações. E fala desse menino travesso e descontrolado que declara: Esbanjei riquezas... / Perdulário, / gastei fortunas, comprando corpos e estragando desejos! Tal menino se solidariza hoje com o menino morto, atropelado na rua e que ficou pregado nas noras / marcando os minutos do tempo perdido. Também compreende o destino do menino que cresceu nas ruas, e das latas de lixo fez o supermercado / para a compra do alimento.
Nessa segunda parte de “Aquarelas de Luz”, o poeta está assim aberto às alheias angústias humanas. Contudo é nos poemas intimistas que Paulo melhor se realiza em sua arte. “Meus cabelos brancos”, canção em tom de embalo é, de certo, um dos mais altos momentos poéticos do livro. E muito bom é também aquele trecho do último poema, em que o poeta fala de seus próprios versos: Um nome de mulher / na oferta dos motivos, / um nome de planta / num vermelho de rosas / acordes de violão / soluçando ternura, / uma canção perdida / no anonimato de uma voz.
É como se para ele toda a poesia se concentrasse ai: um nome de mulher, um vermelho de rosas, um acorde de violão, uma canção perdida, numa voz anônima. Dentro desse esquema se enquadra o Paulo, na universalidade de seus sentimentos, na cosmovisão de sua alma boêmia, na autenticidade da pureza humana com que olha o mundo. E assim está ele aqui, cercado de seus sonhos, de seus familiares, de seus amigos, de seus admiradores. Uma ausência, porém, poderia ser lembrada nesta noite. Mas seria mesmo uma ausência? É a de Nadir Adelaide Moraes, a irmã, a quase mãe, a amiga incondicional de todas as horas. Tão amiga que é impossível não se encontre aqui, espiritualmente, aplaudindo também o poeta, iluminando-lhe a alma, abençoando-lhe a alegria humana de ser.
De igual modo, e redivivo, através de nossa recordação, se acha aqui o velho pai, que sempre tendo respeitado e honrado a Academia a que pertenceu, soergue-se, por cima do silêncio que o afasta de nós, a exclamar como o velho Tupi, no poema de Gonçalves Dias: este, sim, é o meu filho bem amado. Bem amado – explicará ele – porque solidário comigo em tudo na vida, e solidário comigo também na imortalidade acadêmica. Para o velho Nascimento, Paulo não é somente aquele que hoje aqui chega. É também, de algum modo, um membro da família acadêmica que regressa. E o que me resta dizer, em nome de todos os meus pares, é que fique muito à vontade o filho, na casa que já foi do pai.
* Discurso de recepção, pelo acadêmico JOSÉ CHAGAS; 10/8/82.