Poucos instantes mais e estaremos sentados numa poltrona confortável de um avião da PNAIR DO BRASIL S.A. entre muitos outros passageiros com endereço certo: a GUANABARA, o mais novo Estado da Federação, a antiga capital da República onde vivemos 11 anos, no exercício da nossa profissão, o jornalismo.
É a segunda vez que lá voltamos, como turista, para rever a cidade encantadora, para abraçar velhos amigos, para repassar tudo que por lá deixamos, nossas recordações, nossas conquistas, nossas amargas decepções.
Mas, em tudo, prevaleceu a nossa coragem cívica, nosso fortalecimento moral, nossa capacidade de luta, vontade de não sucumbir, mas de viver, viver para nós, viver para esta herança maravilhosa que nosso PAI nos deixou: a inteligência cultivada que dele recebeu os primeiros ensinamentos e as primeiras manifestações de aplausos e de encorajamento.
Estamos voando para o RIO quando este artigo estiver diante dos olhos dos nossos leitores, dos leitores do vibrante matutino “Jornal do Dia”, deste valoroso deputado Alberto Aboud. Voando para a CIDADE MARAVILHOSA.
Há nisto uma satisfação muito íntima, muito nossa. Suas avenidas, suas ruas, seus edifícios, seus recintos, fechados, sua vida, luta e trabalho; suas noites iluminadas, sua vida noturna. Em tudo, tem ela um muito da nossa presença, da nossa boemia do espírito e um muito da nossa parcela de ajuda, de cooperação, funcionando na imprensa, repórter de muitos jornais, escrevendo reportagens, entrevistando alguns políticos da época, escrevendo comentários, ajudando o lado bom da imprensa oposicionista. Tudo isto em onze anos de atividade, de luta constante.
E sempre é bom relembrar essas coisas, os amigos, o ambiente intelectual em que vivíamos, social, jornalístico. Começamos em “O Jornal” (a menina dos olhos de Chateaubriand), o primogênito, senão nos enganamos, dos “Diários Associados”. E recebemos, com amor e bondade, a identificação de FOCA. Era o estreante! O “novíssimo” que chegava com uma recomendação de NEIVA MOREIRA. Que chegava da “província”!
Tudo tão estranho para depois tudo ficar tão íntimo, tão fraternal, tão cheio de surpresas e de emoções. Tão cheio de recordações agradabilíssimas.
E, enquanto vamos voando, o PÁSSARO METÁLICO furando o AZUL, rasgando as nuvens, vamos vivendo Copacabana, Flamengo, Botafogo, Leblon, Ipanema, Urca. Pensando na Tijuca, o Alto da Boa Vista etc. E vendo tudo duma só vez, tão rapidamente, ávido para chegar, para sentir o RIO sob o domínio das nossas impressões, nossas alegrias.
Tudo desfilando: as noites nas redações, nos “plantões”, no exercício ativo das notícias e dos “furos” de reportagem!
O RIO. A cidade, o mar rugindo lá fora; Copacabana, Botafogo, Flamengo!
O RIO. A cidade cosmopolita. A suavidade das manhãs de sol, o rugir da água caindo lá do alto, alagando tudo. E tudo nela encantamento. Tudo nela também tradição, também história. Tudo que se quer ela tem de sobra para nos dar. A beleza da paisagem agressiva. A suavidade doutros flagrantes naturais. O deslumbramento da vida farta, abundante de extravagância. E, lá em cima, nos morros, a vida miserável das “favelas”. Da gente jogada na aflição. E, nas “favelas iluminadas de sonhos”, o reduto das famosas Escolas de Samba: “Portela é a Primeira”! Tudo na lembrança do jornalista, do boêmio que vai deixando São Luís.
O RIO. A Avenida RIO BRANCO. Meu Deus(!), que coisa! A avenida está atravancada! Mas, agora, o SEU FONTENELE resolveu, em grande parte, o problema do trânsito. Já se pode morrer com mais dificuldade! Tudo assim surpreendente.
E o avião afastando-se sempre, aproximando-se do RIO, da Guanabara linda, sedutora, fecunda de emoções as mais diversas. E, dentro de nós, esta ansiedade de chegar, de abraçar os amigos, os velhos amigos, e vê, de perto, o que o Lacerda, o antigo secretário de “O Jornal”, está realizando de fato, de verdade.
Olhar as novidades, as alterações novas que surgiram, que se ergueram, que já se imortalizaram no TEMPO. Correr um pouco mais e entrar, desconfiado, na sede da Associação dos Cronistas Carnavalescos onde éramos um dos muitos dos seus associados, escrevendo todo o noticiário com o pseudônimo de BODE MALUCO.
Rever o OLHO DE VIDRO, o repórter Armando Santos, da secção esportiva dos “Diários Associados”. Agora aposentado, agora na presidência da nossa “associação carnavalesca”. Visitar a Embaixada do Silêncio de que fomos um dos seus sócios-fundadores, aproveitando uma dissidência da Embaixada do Sossego! Visitar os “Tenentes do Diabo”, “Os Democratas”.
E, mais sério, chegar à ABI e bater um “papo” com a turma da “amarra”, do “fuxico”. Avistar-nos com os poetas, com o Guimarães Moras (da Paraíba), simbolista; um Paulo PONTE, paulista, romântico, da “linha conservadora”, arengando sempre com os modernistas, brigando, mas adorando Manuel Bandeira. Abraçar tantos outros amigos, maranhenses ilustres, companheiros da boemia alegre, dos Saraus dos Poetas que realizávamos naquela época.
Ouvir o velho “cantor das multidões”, Orlando Silva. Abraçar o velho Pixinguinha que a morte andou por alguns momentos rondando a sua vida, obrigando a ficar mais de uma semana, num leito de hospital. E aí, quantas recordações.
E o avião correndo, voando, distanciando-se mais e mais se aproximando, muito mais. E, na alma, a presença de tantas coisas que ficaram tão distante e tão perto da gente.
Tão bom tudo isto. Chegar. Abraçar o Agnaldo Castro, meter o corpo debaixo de um chuveiro e ir, pressuroso, encontrar os amigos. Tantas cartas que ficaram sem respostas. Mas eles sabem que não gostamos de escrever cartas. Cartas... Não...
Mas estamos chegando à noitinha. Nos primeiros instantes da luz lá do alto, do céu, pregadas lá no Azul, nós estamos chegando. (O tempo é este). Chegando com uma porção de estrelas na mão para ofertar para alguém. Mas não se trata de um romance de amor. Uma aventura a mais na vida. Não. Este alguém representa as minhas: Teresa Regina, filha de Maria de Lourdes, e Elisabeth, filha do Carlos Emiliano, meus filhos. E a gente olhando as netas, sentindo que vai envelhecendo mais. Tudo assim. Mas, aqui, estaremos nesta coluna, dentro do possível. E... Bem, até a volta...
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 10 de dezembro de 1964 (quarta-feira).