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27 de abril de 2024: AIL, 33 anos*

TEXTO E CONTEXTO: POR UMA PRÉ-HISTÓRIA DA ACADEMIA IMPERATRIZENSE DE LETRAS

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Como era o “mundo cultural” de Imperatriz nas décadas de 1970/1980?

INTRODUÇÃO

Década de 1980. Um marco na ebulição cultural e na movimentação sociocomunitária de Imperatriz. Como era Imperatriz na década 1980/1989?

Na área social e econômica, viam-se ações e movimentações de entidades reivindicando mais linhas aéreas (1988). Empresas e entidades juntando-se para fazerem um bolo de 135 metros de extensão, pelos 135 anos da cidade (1987). Criação da Associação de Defesa Ecológica da Região Tocantina (ADERT), à frente José Geraldo da Costa (1989). Prefeitura anuncia que lançará “Guia Turístico de Imperatriz” (julho de 1987). Os carroceiros (condutores de veículos à tração animal) criam seu sindicato (1987). Vigilantes particulares fundam sua associação e, também, os médicos-veterinários (1987).

Na área da Imprensa, fundação de novos veículos de comunicação e muito bate-boca entre colegas jornalistas e radialistas e, se não bastasse, diversas ameaças e agressões verbais a comunicadores e jornais.

Foi criada a Fundação Cultural Ernesto Geisel, responsável pela TV Educativa (canal 4, presidida por Marcelo Rodrigues; 1987). O jornal “O Estado do Maranhão”, em editorial, proclama “Imperatriz, já” e instala sua sucursal no município (18 de dezembro de 1984). A TV Karajás (SBT) e a TV Tropical (Band) produzem programas jornalísticos locais (“Noticentro” e “Canal Livre”, respectivamente; 1984). A Diocese de Carolina, em Imperatriz, reestrutura o setor de jornalismo (1985). Inauguram-se as rádios Terra FM e Karajás AM e prevê-se a inauguração da TV local da Rede Manchete e retorno da revista “Os Fatos”, do jornalista Nílson Santos. O jornalista Wilton Alves Ferreira (o Coquinho), que fundara a “Gazeta de Imperatriz” e a “Tribuna de Imperatriz”, interrompe, temporariamente, a circulação desta última, à qual se dedicava (1988). De 1984 a 1988, jornais, jornalistas e políticos imperatrizenses alimentam brigas, faladas e impressas.

Na área artístico-cultural mais específica, o jornal “O Progresso” anuncia, em 7/4/1989, um ”time de escritores que farão uma nova coluna diária” (a escalação era, literalmente: “José Geraldo da Costa, Tasso Assunção, Lourenço Pereira de Sousa, Edmilson Sanches, Jucelino Pereira e Ulysses Braga”.

Em 15/4/1987, “O Estado do Maranhão” noticia que “desinteresse dos artistas frustra a classe”, sobre movimento organizado pelo músico Henrique Guimarães.

Em 23/4/1986 o diretor do “departamento científico-literário” da Secretaria Municipal de Cultura, Jucelino Pereira da Silva, anuncia a promoção de um “grande concurso de redação sob [sic] o tema ‘Imperatriz’”.

Membros e apoiadores da Associação Artística de Imperatriz (Assarti) realizam o show-manifesto “Da Política à Arte da Embromação”, onde reivindicam a continuidade da construção do Teatro Ferreira Gullar (agosto de 1988).

Em 19/7/1987, “O Progresso” registra: “Ribamar Silva revoltado com população” – população, que, segundo o escritor e professor, à época presidente da Assarti, “não sabe cultivar os valores espirituais”. Ribamar Silva, apesar disso, é responsável pela página “Janela Literária” e, com Gilberto Freire de Sant’Anna, a “In Mural”, além da “Página de Cultura”, do Grupo Literário de Imperatriz/Gruli (1987), todas em “O Progresso”.

Também em 1987, os músicos têm sua delegacia regional sindical.

Entre os apressados documentos que coletei, dois chamam especial atenção: o título do artigo do jornalista e político Neiva Moreira, no jornal “O País” (Rio de Janeiro, 15/5/1986): “Imperatriz, a Chicago do Tocantins”. O outro, uma charge de Cabral, publicada no “O Estado do Maranhão”: a figura da morte vestida de preto, como um pistoleiro, revólver à vista e o cabo de sua foice (na verdade, uma segadeira) como letra inicial do nome “Imperatriz”. Para arrematar, o “T” é uma cruz, projetando ao chão uma sombra também em cruz...

Como jornalista, eu noticiava as coisas ruins da cidade, mas, ao mesmo tempo, como jornalista e cidadão, eu brigava por coisas e causas melhores.

Também por isso iniciei o movimento que resultou na Academia Imperatrizense de Letras.

Tenho certeza de que, também por isso, a cidade está, ao menos um pouco, melhor do que antes.

I I

No futuro, os pesquisadores e outros estudiosos confirmarão: a década de 1980 (1980/1989) foi provavelmente a mais fértil da história de Imperatriz até antes do final de século e milênio, em 2000.

Naqueles oitentas (1980), havia uma busca ou afirmação de identidade do município. Claro, isso não era planejado, sistêmico e sistemático, orgânico ou organizado. Era uma necessidade, mal explicada, porém sentida em pessoas, nos mais diversos estratos e com os mais diversificados interesses.

Imperatriz entrava os anos 1980 herdando os mais de duzentos mil habitantes atingidos em 1979. (Depois, com a independência de Açailândia, a população reduziu-se para a casa dos 160 mil e 170 mil, recuperando em meados da década, 1985, com 235 mil e, no final, 1989, com 272 mil. Em 2021, 259.980 habitantes.).

Para Imperatriz acorreram gentes tantas, de tantos lugares, com formações e aspirações as mais díspares. Um documento – “Mapa Demonstrativo da Influência Migratória no Município de Imperatriz” – registrava a vinda, para cá, de pessoas de, pelo menos, 24 Estados e, também, de outros países. Pessoalmente, como funcionário e investigador do Banco do Nordeste do Brasil e sujeito metido em quase tudo quanto era movimento e movimentação nos anos 1970, 80 e 90, pude constatar e cadastrar homens e mulheres procedentes dos diversos continentes do mundo – alemães, árabes, argentinos, bolivianos, chilenos, chineses, espanhóis, gregos, italianos, japoneses, libaneses, mauritano, moçambicanos, norte-americanos, portugueses, sírios, turcos...

Do “A” do Afeganistão ao “Z” do Zimbábue, quase todo o alfabeto da geografia política mundial passou ou provou ou ficou em Imperatriz. Eram (são) registrados sobrenomes como Altrochi, Canicoba Rodríguez, Chao Kuang, Flecha (argentino), Freitas e Rodrigues (portugueses), Ghader, Holthouser (norte-americano), Karalis (grego), Milesi (italiano), Sabbag, Stein (alemão), Vedova (italiano), Wada e Yamamoto (japoneses), Yusuf...

Em quantidade e diversidade demográfica, Imperatriz era, nos idos dos anos 1970 e 1980, mais brasileira e cosmopolita que hoje. A sociedade era ainda flutuante. Muita gente amanhecia e não anoitecia. Éramos o “melting pot”, o cadinho ou caldeirão étnico e cultural da pré-Amazônia.

Foi nesse ambiente, nos anos 1970, que me fixei definitivamente em Imperatriz. Os anos 1980 logo chegaram e, com ele, as mais férteis atividades sociais e culturais de Imperatriz antes do 3º Milênio.

Mesmo podendo transferir-me para Teresina (perto de Caxias, minha cidade-natal), preferi ficar em Imperatriz, que – diziam – era violenta. Eu vinha com as sadias inquietudes caxienses, onde, a partir dos 13 anos de idade, como menor estagiário do Banco do Brasil, assumira a diretoria cultural da AABB (o clube dos funcionários daquele banco), presidira, por anos, o Grêmio estudantil, criara e dirigira jornais (Colégio São José, Sesc, empresas), assumira a condução de três programas de rádios na Rádio Mearim de Caxias; escrevera em jornais locais e do Rio de Janeiro; ganhara concursos locais e estaduais.

Como não encontrava essa atmosfera cultural em Imperatriz, fui criando uma. Não demorei muito e já fui publicando um jornal cultural – “Safra – Jornal de Literatura”, que reunia diversos escritores imperatrizenses. Depois, no curso de Letras, organizei e lancei a “Antologia Literária dos Universitários de Imperatriz”, criei a Uniarti – Mostra Universitária de Arte de Imperatriz, trouxe para cá, pela primeira vez, o Congresso Universitário, que se realizava apenas em São Luís; passei a escrever em jornais (em “O Progresso”, desde o início da década de 80; também na “Tribuna de Imperatriz” e em outros mais).

Promovi concursos de redação para estudantes, fazia palestras.

Participei das tentativas de criação de um “Clube de Imprensa” (com Sérgio Macedo [Sérgio Antonio Mesquita Macedo], Sebastião Negreiros, Marcelo Rodrigues, Osvaldo Nascimento, Nilson Santos, Wilton Alves Ferreira, José Rodrigues, Jurivê Macedo e Hélio de Alfeu) e de uma “Associação dos Profissionais de Comunicação Social”, com Jurivê Macedo, Antônio Costa, Aldeman Costa, Marcelo Rodrigues e Roberto Chaves (1985).

Criei e participei da criação de entidades, movimentos e eventos. Em junho de 1983, apoio a criação da Associação dos Gráficos de Imperatriz. Em agosto de 1987 acontece momento cultural multimídia, no Poseidon Hotel, com lançamentos conjuntos de Henrique Guimarães (música), Livaldo Fregona (literatura) e Nilson Takashi Hamada (caricaturas, incluindo-se uma com meu rosto). Fundei, com Sérgio Antônio Nahuz Godinho à frente, Wilton Alves Ferreira e outros, a Associação dos Jornais do Interior do Maranhão (Adjori).

Minhas participações se estendem por todos os cantos e encantos, aspectos e espectros da cidade: concursos literários do 50º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), do Banco do Nordeste, de empresas locais, do Festival de Música sacra (Femusdi), Expoart (Teatro Ferreira Gullar), programas culturais e profissionais da Associação de Imprensa da Região Tocantina (Airt), Comitê Comunitário das Telecomunicações do Maranhão (Telma), diretoria do Juçara Clube e do Balneário Estância do Recreio, diretoria no Diretório Acadêmico da Uema, Associação de Corredores de Rua de Imperatriz, exposição de “art nouveau” de minha irmã, Cláudia Sanches, criação do Instituto Histórico de Imperatriz (não formalizada), ações e realizações da Assarti, doações várias de milhares de livros para a biblioteca pública municipal e outras entidades; inauguração da Rádio Cultura de Imperatriz e do Centro Cultural Luiz Ponchet Meireles (no curso de idiomas Yázigi, da profª Maria de Fátima Meireles [Maria Nunes]); direção de jornalismo da Rádio Terra FM e apresentação do programa de entrevistas “Radioatividade”; criação de jornais universitários; prefácio a diversos livros de autores da terra etc. etc. etc.

O que é mais importante: o texto ou o contexto? Como o contexto será sempre maior e verdadeiramente irreproduzível – “in totum” – pelo texto, paremos por aqui.

O certo é que, a partir dos contatos com os produtores culturais e outros humanistas de Imperatriz, fui conversando e convencendo-os a integrarem-se à ideia de criação de uma academia de letras. Como mostram uns raros registros em jornal, pelo menos duas tentativas já haviam sido feitas, mas, segundo um dos antigos participantes (hoje membro da AIL), foram “abandonadas por desinteresse, comodismo, ocupações”.

Houve resistências e agressões à minha defesa de uma Academia mais “acadêmica” e menos “política”. Como eu era o “cabeça” da “oposição”, as pancadas foram dirigidas a mim. Coisa pesada. Tanto que, no jornal “O Estado do Maranhão”, em 2/4/1989, dois anos e 25 dias antes de eu fundar a Academia Imperatrizense de Letras, jornalista Jurivê Macedo escrevia, sob o título “ACADEMIA”:

“ACADEMIA – A verdade é que uma falada academia de letras imperatrizenses tá provocando pruridos de vaidade em muita gente. // Até nomes já são citados para o elenco da casa de letras. // De mim, pobre escriba rabiscador de mal traçadas linhas, ela já se pode considerar livre, até porque só eu sei até onde vai o meu braço; mas em compensação o que tem de mortal querendo se imortalizar por aqui, num tá no gibi, alguns até que podem chegar à imortalidade pela matança das letras. E que vão acabar chegando lá, o que é ainda mais mortalizante” (Jurivê Macedo).

Três dias depois, em 5/4/1989, com o título “ELE SÓ”, o mesmo Jurivê escreve no mesmo jornal:

“ELE SÓ – Tô lendo duas notas de Edmilson Sanches. Uma sobre o bla-bla-blá que já se criou na terra em torno da falada Academia de Letras. A outra sobre a retirada do ar do programa radiofônico “Radioatividade”, da Terra FM. // Para efeito externo, nunca Edmilson Sanches foi tão ele próprio do que nessas duas notas onde botou pra fora tudo aquilo a que tem direito. (...)” (Jurivê Macedo)

Pois bem: “Y así pasáran los años...”

De 1989 chegamos a 1991. Como eu já havia criado diversas outras entidades, fiz o que é mais pragmático fazer: primeiro, fui ao Cartório do 1º Ofício, onde o Rosseny Marinho, o Miguel Bandeira (estes dois já falecidos) ou o Antônio Carlos da Mota Bandeira me informavam da existência ou não de algum registro de entidade nos moldes que eu mencionava; depois, elaborei o estatuto e, por último, reuni os que foram “convencidos” (isto é, vencidos pela conversa) e formalizava o ato de fundação.

Foi assim que a Academia de Letras de Imperatriz foi fundada, às 10h30 da manhã de 27 de abril de 1991.

Um dia, escrevo os detalhes, as dúvidas, as reações, o não-querer-querendo de uns, a boa vontade de outros, ânsias e ignorâncias no debate e na trajetória até a realidade da Academia. Por serem fatos antecedentes, e não correlatos ou consequentes, tem pouco texto sobre a Academia e mais contexto sobre o ambiente pregresso em que ela foi gerada, gestada e gerida.

Por enquanto, sem mais minudências (“a página não é de borracha”), essa é mais ou menos a “pré-história” da Academia Imperatrizense de Letras.

A partir daí, no bom sentido, é história.

Parabéns à AIL, pelos seus 33 anos.

E o abraço espiritual deste que, mais que ninguém, lhe conhece os verdadeiros incômodos, os enjoos e as verdadeiras dores de seu parto...

* EDMILSON SANCHES

FOTO:

Edmilson Sanches, em 2014, ministrando palestra no 12º Salão do Livro de Imperatriz, evento anual da Academia Imperatrizense de Letras.

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