O futebol maranhense, como todo futebol do mundo, tem as suas surpresas. Surpreendentes. E até impossíveis. E, quando a coisa “se dá”, a gente fica, de momento, sem compreendê-la. E vem logo aquela advertência de que “o impossível acontece”. O fato é que, no futebol, “não tem lógica”. Então, vem sempre o que não se pensa que possa vir.
Há uma CERTEZA que, passado os noventa minutos de jogo, desaparece, deixa de existir, escapa pelos “fundos” da nossa incompreensão. Um “lance” perigoso que acontece e que atormenta por muito tempo o torcedor. É isto. E, com isto, estamos pensando naquele 6 x 2 que arrancou do Moto a faixa de campeão de 63. E um motense, antes da partida, garantia-nos que o Maranhão Atlético Clube não era um “duro adversário”. E fez, para nós, um minucioso relato do futebol maranhense, colocando o MAC numa situação precária. Entretanto, o motense não nos convencia.
Escutávamos os argumentos apresentados e, no íntimo, íamos nos lembrando do que aconteceu conosco, no Rio, quando, um dia, saindo da casa do Neiva, em Caruaru, resolvemos ir até ao Botafogo assistir, pela primeira vez, ao nosso Vasco jogar, enfrentando os botafoguenses.
Já se vão alguns anos. Sabíamos que o Vasco bastaria garantir um empate para sagrar-se campeão. Vascaínos que ainda somos nunca tínhamos visto os onze do São Januário jogar. Contentávamos apenas em registrar as vitórias e que vitórias! Apenas. Na época, quem comandava a “linha” vascaína era o inesquecível Ismael. Um negro magro, alto, sisudo.
O Vasco, nesse jogo, estreava uma nova camisa: preta com uma lista branca. Nunca nos esquecemos disso. O campo de São Severiano estava superlotado. Um delírio. Uma expectativa. O Vasco entrou em campo. Ismael era o comandante da “linha perigosa”. Os jogadores estavam, assim pareciam, senhores de si, confiantes. Entrou o Botafogo. Com ele, o BIRIBA, a mascote do Botafogo, um cãozinho irrequieto.
Os onze do Vasco faziam uma ligeira demonstração de “passes”. Delírio por toda a parte. Nós estávamos olhando o Vasco. Olhando Ismael. Dos pés de Ismael iam sair os petardos. Olhávamos Chico, com sua “esquerda” perigosa, entrando na área adversária e empurrando, de qualquer maneira, o COURO para dentro da “armadilha”. Sentíamos que ia ser fácil.
O Vasco sairia mais uma vez com a vitória. Coisa CERTA. Não poderia haver outro resultado! O juiz apita. Os jogadores se alinham nas suas posições. Coube a saída ao Vasco. Ismael faz o “passe” inicial. E, depois, avança. Um leque vai se fechando para a área do Botafogo. Dentro de nós, gritamos GOOL! Um grito só ouvido por nós. Talvez ouvido por todos, pela assistência! Mas não FOI. O “passe” de CHICO para Ismael e deste para CHICO não surtira o efeito desejado.
Ismael falhara no remate. O couro passou raspando a trave! E o jogo continuava. Os minutos escoavam-se. E o IMPOSSÍVEL estava acontecendo. Os onze vascaínos estavam irreconhecíveis. Os jogadores não estavam se entendendo. Os onze paravam no campo.
Ismael “parava”. As investidas perigosas, como mágica do diabo, desapareceram. O Botafogo agiganta-se. Dominava. Era o dono do campo. Das posições. Tudo assim até o fim.
Barbosa se desdobrava na defesa. Um tigre. Uma fera acuada, salvando o máximo, evitando a goleada! Estava “pegando tudo”. Barbosa era o time. Ismael, lá no meio do campo, parecia um assistente. De nada valeram as substituições. O Botafogo sagrava-se campeão. E nós ali, olhando a fuga espetacular da CERTEZA. Escapava-se pelo fundo da nossa incompreensão. Foi terrível. Mas, de lá, saímos mais vascaínos. Muito mais. E pensávamos em tudo isto ouvindo a história que nos contava o torcedor do Moto, poucos instantes da surpreendente partida.
E o MOTO parou, certamente. O seu Ismael perdeu várias oportunidades. Os atleticanos dominaram. Tomaram conta da bola. Fizeram travessuras. No começo, em minutos, em instantes, deram início à goleada que veio depois, que veio surpreendentemente.
Os onze do Maranhão Atlético Clube reapareceram fulgurantes. Conquistaram o título, o título que o nosso Sampaio Corrêa não pôde competir. Mas a gente só se é Sampaio uma vez e tem que amargar com a mesma fé com que nos comportamos nas vitórias. Mas ali estava o Maranhão arrebatando o título do Moto, arrancando-o numa goleada surpreendente.
E não vimos mais o amigo motense. Não sabemos das suas reações diante da fatalidade. Não sabemos. Apenas nos lembramos daquela derrota do Vasco quando da primeira e última vez que o vimos jogar. Muitos anos no Rio e só uma vez vimos os onze da Colina jogar.
Aqui, nunca vimos o Sampaio nem nas derrotas e nem nas vitórias. Ficamos, de longe, torcendo por ele, brigando por ele. Mas, o motense? Não mais o vimos. Mas o certo é que o futebol “não tem lógica”.
Há, sempre, um 6 x 2 que decepciona, que deixa tudo diferente, que muda por completo o fortalecimento das argumentações. Há sim. E o futebol maranhense, como todo futebol do mundo, tem as suas surpresas. Surpreendentes e até impossíveis.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 1º de março de 1964 (domingo).