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Lembrando papai… NO CENTENÁRIO DE GONÇALVES DIAS*

E tudo foi feito... Cumpriu-se, ao que parece, toda a programação oficial com a orientação, assim se diz, da Academia Maranhense de Letras. E também, assim se informa, com a valiosa ajuda doutros imortais de ATENAS, elementos destacados da Academia Brasileira de Letras, com a presença de Viriato Corrêa e de Josué Montello. E houve a cooperação intensa e espontânea de doutras figuras de realce do meio intelectual da cidade. Da ilha iluminada de sonhos e de poesia.

E muita coisa se disse sobre a vida do Imortal cantor de “Os Timbiras”. Muita coisa bonita, impressas num bom papel, muitas coisas ditas por meio da força dos pensamentos criadores. Tudo tão BOM. E o poeta lírico da “Canção do Exílio”, do “Ainda uma última vez – Adeus”, foi relembrado, toda a sua vida exposta ao conhecimento de todos. E a impressão é que nada teria faltado. A impressão é que tudo foi relembrado dentro das possibilidades das anotações dos trabalhos escritos, das exposições feitas pelos biógrafos para nós do inesquecível poeta maranhense.

Entretanto, para nós que ficamos olhando tudo, também com (...) a nossa participação mínima, para nós, calou, profundamente no espírito, a exaltação quase barulhenta sobre uma das inspiradoras do bardo da “Canção dos Tamoios”: Ana Amélia que o poeta conheceu em casa do seu amigo Teófilo, ali num sobrado da Rua de Santana.

Parece-nos que o centenário foi mais consagrado “a este grande amor do poeta dos ‘Olhos Verdes’”. Ninguém mais quis ver com melhores condições se não as outras inúmeras que passaram pela vida de Gonçalves Dias com a mesma intensidade, pelo menos aquela que foi sua mulher, a mãe de sua filha Bibi que poucos anos teve de existência.

Não. Ninguém convergiu para a d. Olímpia sequer uma especialíssima atenção. Nada. Deixaram-na no esquecimento quase que total e, só veio à tona, o seu nome por meio da carta que ela escreveu ao poeta quando ela se encontrava no seu “exílio”, no abandono daquele que ela amou intensamente, profundamente, amor alma e desespero.

Não. Deixaram de lado esta fulguração sentimental do poeta. Olímpia ficou fora do centenário da morte do poeta para nele apenas sobressair a Ana Amélia, um amor que causou ao poeta os sofrimentos e as mais pungentes humilhações. Um amor que lhe fustigou a alma e até o orgulho, que o jogou na tormenta duma existência perturbada.

Não se diga que Ana Amélia não o tivesse amado. Mas não pode haver, entre ela e o poeta, o encantamento duma aproximação dominadora. Com Gonçalves Dias, apenas os seus arroubos sentimentais que não poderiam, refletir o amor estima, o amor devoção, o amor espírito.

Talvez, a beleza física da mulher o impressionasse. Isto apenas. E daí, assim pensamos, ter o poeta depois do golpe, depois de ter sido recusado de casar com Ana Amélia, ter encontrado, noutras mulheres, a fuga, o recolhimento, o motivo para afastar-se das “íntimas preocupações”. A tormenta seria resultado, talvez, do seu orgulho, da sua vaidade, seus sentimentos mais fortes: a glorificação da sua vida intelectual.

Não suportou que aquela que dele mereceu as primeiras manifestações do seu amor de homem lhe fosse negar. Julgava que a sua valorização intelectual superasse qualquer dificuldade. Mas isto não se deu. Prevaleceu a epiderme, a cor. Prevaleceu a sua pobreza, um poeta pobre, sem recursos outros para dar a Ana Amélia uma melhor condição de vida. E daí, a paixão que ficou na alma do poeta.

Daí, a revolta íntima. Daí, a sua DOR, seu desespero. E quem poderá saber, pensar se ele, casando-se com Ana Amélia, não daria, para ela, a mesma vida que deu para a resignada Olímpia, a sua esposa, a mãe de sua filha Bibi?

Com Olímpia, ele encontrou, de fato, o Amor, a mulher querendo-o, subjugada, o amor que se escraviza, que se desfigura. Com Olímpia, o amor profundamente humano, profundamente sentimental, vivido por eles, realizado por eles na “exaltação dos beijos e dos abraços”.

Com Ana Amélia, havia, talvez, o lirismo, a paisagem sentimental, as impressões que sempre nascem, rebentam nos primeiros encontros. Isto, e mais nada.

Que fez Ana Amélia para prendê-lo junto de si? Fugir? Mas fugir, para o poeta, seria um ato desprezível. E o que ele certamente esperava era a luta firme, a decisão inabalável. Isto não houve. Mas, com Olímpia, houve esta luta terrível. A missiva de Olímpia deixa, bem claro, estes instantes de ansiedade, de amor posse, de mulher que quer o marido junto, perto, ao “menos uma linha, uma notícia, um retrato”, mais nada!

E aí, para nós, a exaltação do Amor que sublima e que também se imortaliza. Mas, no centenário do poeta dos “Olhos Negros”, do MAR, nada se dedicou de grandiosidade a d. Olímpia, mas muito elevado ao exagero de Ana Amélia.

Muitas falhas na programação. A obra do poeta não foi revista, não foi reexaminada com cuidado, não foi divulgada. E isto foi um grande erro. Ninguém se lembrou de ter promovido uma sequência de palestras nos colégios, expondo a obra poética do autor de “Sextilhas de Frei Antão”. Ninguém se lembrou desta divulgação que seria muito mais útil do que a apresentação de um painel sobre o naufrágio do poeta maranhense. Ninguém se lembrou da cátedra para a divulgação da poesia, do idealismo de Gonçalves Dias. Ninguém.

A mocidade ficou apenas na participação, na exaltação dos sentimentos, mas perdeu uma grande oportunidade de aprender alguma coisa sobre o Poeta da Raça. É esta a verdade. E não se culpa o governo. O governo cumpriu a sua parte e convocou os intelectuais para organização do programa que teve como coisa de Belo, de Encantamento, mas com falhas como estas que apontamos e que não deveria ser, agora, indicadas.

Mas ainda está em tempo de se fazer algo de mais positivo sobre a vida de Gonçalves Dias. Muita coisa está aí à margem, material precioso, abandonado para melhores estudos, para uma melhor exaltação.

Para nós, ainda muita coisa se poderá escrever e muita coisa se realizar em favor da divulgação da obra do cantor insigne. Muita coisa...

* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 5 de novembro de 1964 (quinta-feira).