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SUA MAJESTADE O CUPIM*

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Não posso negar: de todos os viventes que tiveram contato com meus livros, os cupins foram os que mais gostaram deles...

Gostaram tanto que os comeram.

Não queira ter uma experiência com esses bichinhos – você sempre sairá perdendo...

Não é sem razão que, quando foram dar a eles um nome, os índios tupis-guaranis buscaram uma palavra ou expressão de sua fala que lembrasse o resultado da ação daninha do inseto. Assim, esse serzinho foi chamado de “cupim”, pois o tupi-guarani “kupi’i” significa “aquilo que é roçado”. E, aqui, “roçar” tem nada a ver com dar uma esfregada de leve..., uma passada de mão boba..., uma fricçãozinha numa encoxada e coisa e tal.

Esse “roçado” tem a ver com o significado mais antigo do verbo “roçar”, que é “cortar”, “corroer”, “desgastar”, originado do sentido mais ancestral do termo: “limpar um campo de matos e ervas”, do latim vulgar “ruptiare”, com visível descendência do verbo (no passado) “ruptus”, por sua vez provindo do verbo “rumpere”, que significa “romper”.

Os latinos deram-lhe o nome de “térmitas” ou “térmites”, proveniente de “termes”, “termitis”, conexo com o grego “téredon” ou “téredonos” -- em todos os casos com o significado de “verme que rói a madeira”.

Só os termos e sentidos das palavras nos quatro idiomas (tupi-guarani, latim, grego e português) já provoca calafrios a quem tenha como vizinhos ou hóspedes esses mocinhos.

Como disse no início, tive uma devastadora experiência com essa turminha de insetos. Em uma das casas em que residi, depois que retornei de Brasília, havia – e só fui saber após desastre – as pequenas galerias ou microtúneis subterrâneos por onde transitavam e a partir de onde os cupins detectavam a presença de comida, na superfície. Ardilosos, astutos, manhosos, os cupins comem só até determinado ponto, deixando uma “parede” externa, que dá a ilusão (ao proprietário) de que está tudo bem... Na verdade, os cupins fazem isso por autopreservação: eles não resistem à luz solar.

Cupins podem passar anos e anos dentro da madeira de móveis e estruturas de imóveis. Eles me lembram os “sleepers”, pessoas que permanecem dentro de uma sociedade por anos para, no momento certo, atacarem.

Concorrentes das traças, cupins também gostam, e muito, de livros – na verdade, da celulose que neles há. Assim, onde tem celulose tem – ou pode vir a ter – chance de aparecer cupim.

Mas se engana quem acha que cupins só comem “coisas” de madeira e de celulose em geral. Praticamente omnívoros, eles roçam, capinam, fazem o pente-fino: madeira (assoalhos, esquadrias, forros, madeiramentos, móveis, parquetes e outros artefatos de madeira), gesso (que recebe reforço com fibras de celulose; gesso acartonado, “drywall”), livros e outros itens de celulose (papel, cartão, papelão...), os discos de vinil e o vinil de outros objetos, cereais (arroz, milho, feijão...) e até culturas agrícolas e florestas implantadas.

Os cupins fazem moradia, se precisar, em couro e em tecidos, concreto e alvenaria, fundações e “radier”, paredes e lajes, cabos de eletricidade e de telefone, alumínio, chumbo e plástico... E tudo isso, se não comerem, eles estragam, corroem, destroem... Passam o rodo em quase tudo.

Há registros de até ferro e aço serem pacientemente corroídos pelos cupins, se esses elementos estiverem interpondo-se entre aqueles insetos e a comida que eles detectaram.

São quase três mil espécies de cupins; no Brasil, estão perto de trezentas delas. Em uma colônia, são mais ou menos um milhão de cupins. São postos de dois mil a três mil ovos... por dia.

Indígenas da Amazônia comem cupins, assados ou cozidos e ainda os usam como condimento, pois teriam gosto de sal. Como os grupamentos humanos não índios não adotam esse saudável hábito, os bichinhos vão prosperando em nossas comunidades, urbanas, suburbanas e rurais. Além de fazerem o mal para nós, esses bichinhos ainda nos fazem inveja:

a) para começar, têm a propriedade da neotenia, isto é, ao se tornarem adultos, retêm suas características de jovens;

b) estão no topo da chamada eussocialidade, ou seja, o mais alto grau de organização social complexa dos animais, comparados às formigas e às abelhas; portanto, têm seu reino, são praticamente majestades...;

c) podem desenvolver a capacidade de voar (tanto que tem o termo “asa” em grego no nome científico: “isóptero”, do grego “iso-”, ‘igual, e “-ptero”, ‘asa’. Ou seja: que tem asas iguais);

d) e, só para finalizar, desde novinhos têm órgãos sexuais e reprodutores de adultos bem formados, prontos para “atuarem”...

Com algo de xenófobo, pelas redes sociais veem-se mensagens do tipo “C” de “coronavírus”, “C” de “covid”, “C” de “China”... Imagine se soubessem de onde vêm os cupins – da Ásia...

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Todo tempo é tempo de cupim. Se o os dias são de chuva ou se faz calor gostoso, ele diz: “Está pra mim”, pois todo tempo é tempo de cupim...

Nesta toada, se gostassem dos clássicos, os cupins adorariam Vivaldi e “As Quatro Estações”...

* EDMILSON SANCHES